segunda-feira, 24 de junho de 2013

O resultado militar de uma passeata

                Quinta-feira passada era o famoso dia 20 de junho de 2013, conhecido como dia da Passeata de um milhão de manifestantes. Havia uma felicidade coletiva, uma comoção pelas mudanças que tanto assolam a consciência brasileira, já cansada dos feitos de políticos salafrários. Até aí, nada de novo. Seria a primeira vez que eu participaria de um movimento que preza melhores condições para todos, nada de reinvindicações unilaterais, específicas. Os cartazes, plurais e aos montes, refletiam todas as angústias, a necessidade de representação e a descrença na atual democracia brasileira, falha, apática, permissiva e fajuta. Mas nós, os manifestantes, atolados de esperança e zonzos entre tantas primeiras vitórias – a queda do preço das tarifas e a mobilização para lá de bonita -, não vimos que caminhávamos ingenuamente para um campo de guerra.
                Munidos apenas de cartazes e muito grito – as musiquinhas pareciam estar guardadas há muito tempo nas gargantas descrentes -, os manifestantes, aos montes, principalmente famílias, em miúdos, pessoas que nunca foram, mas que queriam usar o exercício cívico para mostrar civismo e cidadania, lotavam as ruas do centro do Rio de Janeiro. Eu mesmo cheguei por volta de 16h30min, comprei a máscara do Guy Fawkes – V de Vingança – a vesti e fui me unindo ao grupo de insurgentes. Aos poucos, encontrei pessoas, alunos, companheiros de sala de aula, compatriotas no dever cívico por melhorias. Quando já mais próximo da prefeitura – nosso alvo principal – lá as musiquinhas ganharam mais força, os braços estavam mais altos e os pelos mais eriçados. Todos ríamos, pela sensação de mudança que encontrávamos estampada nos olhos e rostos e corpos e bandeiras. A comoção era viva. Os passos dos que chegavam tremulavam chão e bandeiras com mais força.  Até que começaram os ataques aos manifestantes.
                A Presidente Vargas estava toda tomada por barreiras fixas ao chão. Elas, num primeiro momento, servem para evitar que pessoas atravessem as ruas por baixo, longe das passarelas. No entanto, ali serviu como dique para evitar a dispersão bolheada dos manifestantes, para todos os lados. Só podíamos seguir para trás, retornando, encontrar-nos-íamos diretamente com aqueles que queriam chegar à Prefeitura. Passamos a correr, a colidir com todos. As nuvens das bombas de efeito moral foram tomando o ambiente. Gás lacrimogêneo, spray de pimenta e tiros de bala de borracha ampliavam a nossa angústia. Ali víamos a enrascada em que entramos. Algo genial dos agentes militares da opressão governamental, aproveitaram a oportunidade para traumatizar brasileiros de várias idades e gerações no que diz respeito à manifestação. Helicópteros da polícia militar em voo rasante, policiais do BOPE vinham pelas ruas paralelas, cercando os manifestantes. Enquanto que éramos todos apenas uns acuados, que passaram a se perder de seus companheiros, pois precisávamos nos salvar.
                Já mais a frente, os telefones não funcionavam, até possuíam sinal completo, mas só dava para passar mensagem. Outro detalhe genial da atuação militar, pois qualquer um consegue correr e telefonar, mas passar mensagem não. As estações do metrô – haja vista muitos manifestantes terem comprado passagem de ida e volta – estavam fechadas. Não conseguíamos acessar a internet, não sabíamos quais estavam abertas. Nós, que caminhamos para mostrar nossa intenção por um Brasil melhor, estávamos diante de nossa própria aniquilação. Eles tinham a faca e o queijo nas mãos para oprimir o movimento e sufocá-lo em sua raiz.
                Não devemos, porém, nos intimidar. Penso que há formas de atuar nas ruas, nas manifestações, sem que estejamos vendidos, cercados em nossa necessidade de grandeza. Para os já acostumados, por favor, direcionem-nos, não queremos perder a energia que nos move, mas, inclusive, não precisamos ficar vendidos no meio de nossa atuação. O movimento é bonito demais para se perder diante do aparelhamento governamental contra aqueles que a bancam, contra nós, os manifestantes.

                

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O preço de um medo

                Jabor, arregão, conhecido por sua veia explosiva e, às vezes, afoita, deu mais uma demonstração de que elites opulentas costumam julgar massas ditas inferiores e tachá-las a bel maneira que querem. Sei que o exercício de humildade – como disse, exercício -, atrelado a uma percepção mais concreta do que de fato aconteceu, pode arrefecer um pouco os ânimos em relação a sua pessoa. Mas a sua ação não deixa de ser um exemplo de vários que, no topo de suas efígies, estão sentindo o chão tremer com a marcha dos indignados.
                Poucos foram os políticos que até agora apareceram para dar alguma satisfação. A nossa Presidenta Dilma legitimou o movimento, até como lembrança histórica de sua atuação, mas amedrontada, pois no seu cursinho de vestibular para presidente não lhe deram a disciplina “como lidar com as massas opressoras”, ela se encontra acuada, como todos.
                No entanto, o medo dos políticos ainda não se concretizou essencialmente. Agressões como diminuição de salário dos professores e aprovação da “cura gay” aparecem como exemplos da pompa substancial que ainda possuem. Para estes, sim, sou a favor do impeachment, da deposição. As razões deles podem até soar como válidas, mas serão naturalmente escusas. Devemos reprimi-los nas urnas. O poder do voto se torna onipotente e onipresente neste momento.
                Sabíamos há tempos que uma explosão popular iria se deflagrar mais cedo ou mais tarde. Eu particularmente achava que viria para a geração de minha filha, hoje com seis anos, que não entende o levante barulhento e o sorriso bobo e utópico do pai e da mãe. O que minha geração cantou em letras adolescentes e virulentas, esta geração faz questão de colocar em prática. Não foi medo nosso, nós ainda éramos comandados na implicitude. A atual tem total poder de anonymato e capacidade de exposição ao mesmo tempo. A internet, uma vez transformada como mais um instrumento de alienação e exposição do indivíduo, se tornou o principal instrumento de manifestação e movimento. O feitiço se torna contra os feiticeiros das siglas democráticas.
                O medo das elites opulentas, agora oprimidas, cresce em sua essência, pois a origem de controle e comando do Brasil – os políticos – está encurralada entre a fonte financeira destas elites financiadoras e o clamor público. A sua principal forma de sustento – a política – agora será usada como arena de sobrevivência. Os marcados serão aos poucos jogados aos leões, os que sobrarem serão sabatinados. A carnificina está sendo montada.
                Não vejo, no entanto, a necessidade de se criar novos partidos políticos. Por estarmos vivendo um movimento apartidário, sem lideranças explícitas, algo que traduz a descrença na política atual como um todo, a busca por criar um novo partido traria, sim, muitas adesões, mas no ato democrático, há a necessidade de se criar uma oposição. Quem se oporia a esta força? Os partidos remanescentes? Os dados de uma nova realidade estão lançados. Penso que podemos aproveitar aqueles que estejam disponíveis à conversação, que não detenham excessos ou bandeiras anacrônicas.

                Sei que cenas posteriores podem mudar também a minha opinião. Me reservo à condição de observador que até pode ter uma consciência afoita, atolada de sorrisos e angústias, mas que não vai julgar à luz de preconceitos primevos. Por sorte, não sou um ex-guerrilheiro em trajes globais, que vocifera a agonia dos julgados incapazes. A sorte está do lado de todos. O clamor público não. E no final das contas, quem dita as regras? 

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