Uma vez escreveu Drummond – poeta
maior do modernismo – sobre a flor e a náusea. Neste poema ele retratava uma
flor feia, cinza, que rompia o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio que acompanham
o dia a dia de uma sociedade capitalista. Socialista que era, imaginava um mundo
mais digno, mais justo, belo, mesmo em uma flor feia. Se estivesse vivo, penso
que teria ele motivo para todas as tristezas do mundo ao ver que o corpo de um
homem, morto atropelado por um trem no Rio, não parou locomotivas posteriores, “a
cidade capitalista precisa mover”.
A história de um ex-presidiário
transformada em uma crônica triste, noir, de um cotidiano balizado pela pressa,
traduz a que ponto chegou a indecência humana em relação ao próximo. O corpo de
um homem em cima de trilhos, morto ao tentar fornecer sustento aos seus
familiares – ele vendia bala nos vagões – profanado pela necessidade de a
cidade seguir – eram muitos passageiros que não poderiam parar suas vidas em
torno de um morto – reflete o nosso desapego pelo próximo. “Era um presidiário
mesmo”, alguns disseram. Este homem teve pouca chance à dignidade.
Como a flor feia de Drummond, que
traduzia esperança diante da pura tristeza, aquela flor humana esmagada demonstra
o cinismo humano em sua máxima delcaração. Mas podemos pensar que a sociedade
se perdeu de vez? Não sou tão pessimista a esse ponto, mas como professor,
ainda nutro uma esperança em bons sentimentos. Como escritor, traduzo uma
incredulidade. Ação e percepção andam lado a lado. Tenho medo de ser
completamente vencido.
Que esta flor pisoteada em trilhos
crie uma nova história para nós, brasileiros, humanos fervorosos, tradutores de
alegria. Bem, é o que espero, no final das contas.