quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Crônica para daqui a dez anos.


                “É uma pena ver o declínio das vendas dos livros físicos em detrimento da migração dos leitores para as novas tecnologias. É uma pena mesmo. Uma vez mais a máquina substituindo o sensorial, o prazer, e trocando-o pela frieza que brilha e encanta os olhos, mas não mais o resto. Uma obra nesses aparelhinhos é um livro sem gosto, sem sabor, sem a luta pela manutenção do livro aberto. Não ter o prazer do volume em suas mãos, lutando com todas aquelas páginas que te encaram, que te exigem destreza, parece o fim. Nunca que um livro físico vai ser superado por essas maquininhas. Os livros que uma vez pertenceram ao meu avô, que hoje compõem a biblioteca usufruída por minha filha, continuam os mesmos, apenas protegidos das traças e do envelhecimento cadente do papel. Não precisaram passar por atualização de software, antivírus, migração para nova tecnologia ou qualquer coisa que alguém julgue ser melhor do que o papel em essência”.
                “Mas não serei leviano, sei que mais cedo ou mais tarde o livro físico seria vencido de vez. E desabafo aqui, pois fui criado num ambiente cheio de volumes e mais volumes. E ver as livrarias minguantes de estantes, lotadas de telas sensíveis ao homem, mas insensíveis ao prazer da descoberta pelo toque, faz-me crer que não precisaremos mais do tato ou do olfato em um breve período de tempo. E ler – isso ainda não nos tiraram – que as gráficas hoje se reduziram drasticamente, imprimindo por demanda, que cada vez mais minguados também estão os pedidos, o livro – essencial, não a obra – volta a ser um artigo de luxo como o era na Idade Média ou até meados do século XIX, antes da invasão da revolução industrial no meio artístico. Logo as bibliotecas terão que mudar de nome, não mais acervo de livros da genialidade humana, mas Museu de um passado de publicações, Sala da Obra Impressa, O resquício da papel, ou o que mais puder traduzir sua decadência. Virão os ecologistas afirmarem a importância do paradigma vencido, historiadores que remeterão à Biblioteca de Alenxadria – se assim fosse no passado, a tecnologia teria preservado aquele conteúdo dito fantástico. Aí escrevo, o quanto de luz está sendo gasta só para manterem esses servidores abarrotados, tudo bem, fonte renovável, mas prazer que é prazer não se renova, cria lembrança. E quanto à biblioteca de Alexandria não nego, não tenho muito a dizer, também gostaria de ler o que lá publicaram. O papel, porém, precisou uma única vez de energia para ser produzido e a facilidade de seu retorno à natureza quando de sua degradação não tem precedentes. O que fizeram com os servidores antigos quando criaram os novos? Ao mesmo tempo, será que eu teria tempo de ler todo aquele universo de texto que havia na biblioteca de Alexandria? Se não o tenho hoje, vírgula, prefiro parar por aqui o raciocínio”
                “O que me incomoda mesmo é o individualismo em sua máxima plenitude. Depois de as redes sociais terem obtido o êxito de extinguir o particular, tanto da conversa ao vivo, tête-à-tête, quanto da privacidade, do barzinho, agora também o conseguem evitando que uma quantidade de leitores consiga usufruir de um mesmo livro. Se compro a obra para o aparelho X, não posso enviá-la para o aparelho Y, pois é bloqueado, não permitido pelo detentor dos direitos autorais e os escambau. Caramba, se eu comprei o livro, eu não quero reescrevê-lo, mas quero discuti-lo com a minha esposa por exemplo. Só que não posso emprestar o meu tablet pra ela, pois com ele trabalho. O livro, que ela poderia dispor sem precisar carregá-lo na tomada – só na bolsa – está restrito ao meu aparelho, não mais do que nele. Não posso enviá-la por qualquer recurso de troca, também. Ao mesmo tempo, uma mesma obra tem diferentes formas para diferentes plataformas. O que é essa nova publicação de Harry Potter, que possui diferentes grafismos para Ipad 12 e 13, mas não é visto da mesma maneira para o Android New Maker 7.0? Uma mesma obra pode ter várias edições, revisões feitas pelo autor, mas diferentes tratamentos? Isso é preconceito. Isso é marginalização. E só um tipo de consumidor é que pode ter acesso a um novo modelo de obra? Na minha época havia as edições de luxo, mas não significava que era outra obra, ela era a mesma, só que com outra preocupação”.
                “Cataclísmico que possa parecer – para mim o é – lembro-me das páginas da Revista Galileu que saiu em Agosto de 2012, falando sobre estantes mutantes, livros com outras formas além da tradicional – livros de papel com led, que isso?! – e mais outras formas diversas que transformaram o tradicional em algo adaptado. O novo, às vezes, quando vem, só faz é trazer dor de cabeça. Tanto por causa de inovações bobas, quanto por excesso de luzes onde se faz melhor o lusco-fusco de sempre”.

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