“É
uma pena ver o declínio das vendas dos livros físicos em detrimento da migração
dos leitores para as novas tecnologias. É uma pena mesmo. Uma vez mais a
máquina substituindo o sensorial, o prazer, e trocando-o pela frieza que brilha
e encanta os olhos, mas não mais o resto. Uma obra nesses aparelhinhos é um
livro sem gosto, sem sabor, sem a luta pela manutenção do livro aberto. Não ter
o prazer do volume em suas mãos, lutando com todas aquelas páginas que te
encaram, que te exigem destreza, parece o fim. Nunca que um livro físico vai
ser superado por essas maquininhas. Os livros que uma vez pertenceram ao meu
avô, que hoje compõem a biblioteca usufruída por minha filha, continuam os
mesmos, apenas protegidos das traças e do envelhecimento cadente do papel. Não
precisaram passar por atualização de software, antivírus, migração para nova
tecnologia ou qualquer coisa que alguém julgue ser melhor do que o papel em
essência”.
“Mas
não serei leviano, sei que mais cedo ou mais tarde o livro físico seria vencido
de vez. E desabafo aqui, pois fui criado num ambiente cheio de volumes e mais
volumes. E ver as livrarias minguantes de estantes, lotadas de telas sensíveis
ao homem, mas insensíveis ao prazer da descoberta pelo toque, faz-me crer que
não precisaremos mais do tato ou do olfato em um breve período de tempo. E ler –
isso ainda não nos tiraram – que as gráficas hoje se reduziram drasticamente,
imprimindo por demanda, que cada vez mais minguados também estão os pedidos, o
livro – essencial, não a obra – volta a ser um artigo de luxo como o era na
Idade Média ou até meados do século XIX, antes da invasão da revolução
industrial no meio artístico. Logo as bibliotecas terão que mudar de nome, não
mais acervo de livros da genialidade humana, mas Museu de um passado de
publicações, Sala da Obra Impressa, O resquício da papel, ou o que mais puder
traduzir sua decadência. Virão os ecologistas afirmarem a importância do
paradigma vencido, historiadores que remeterão à Biblioteca de Alenxadria – se assim
fosse no passado, a tecnologia teria preservado aquele conteúdo dito fantástico.
Aí escrevo, o quanto de luz está sendo gasta só para manterem esses servidores
abarrotados, tudo bem, fonte renovável, mas prazer que é prazer não se renova,
cria lembrança. E quanto à biblioteca de Alexandria não nego, não tenho muito a
dizer, também gostaria de ler o que lá publicaram. O papel, porém, precisou uma
única vez de energia para ser produzido e a facilidade de seu retorno à
natureza quando de sua degradação não tem precedentes. O que fizeram com os
servidores antigos quando criaram os novos? Ao mesmo tempo, será que eu teria
tempo de ler todo aquele universo de texto que havia na biblioteca de
Alexandria? Se não o tenho hoje, vírgula, prefiro parar por aqui o raciocínio”
“O
que me incomoda mesmo é o individualismo em sua máxima plenitude. Depois de as
redes sociais terem obtido o êxito de extinguir o particular, tanto da conversa
ao vivo, tête-à-tête, quanto da privacidade, do barzinho, agora também o conseguem
evitando que uma quantidade de leitores consiga usufruir de um mesmo livro. Se
compro a obra para o aparelho X, não posso enviá-la para o aparelho Y, pois é
bloqueado, não permitido pelo detentor dos direitos autorais e os escambau.
Caramba, se eu comprei o livro, eu não quero reescrevê-lo, mas quero discuti-lo
com a minha esposa por exemplo. Só que não posso emprestar o meu tablet pra
ela, pois com ele trabalho. O livro, que ela poderia dispor sem precisar
carregá-lo na tomada – só na bolsa – está restrito ao meu aparelho, não mais do
que nele. Não posso enviá-la por qualquer recurso de troca, também. Ao mesmo
tempo, uma mesma obra tem diferentes formas para diferentes plataformas. O que
é essa nova publicação de Harry Potter, que possui diferentes grafismos para
Ipad 12 e 13, mas não é visto da mesma maneira para o Android New Maker 7.0?
Uma mesma obra pode ter várias edições, revisões feitas pelo autor, mas
diferentes tratamentos? Isso é preconceito. Isso é marginalização. E só um tipo
de consumidor é que pode ter acesso a um novo modelo de obra? Na minha época
havia as edições de luxo, mas não significava que era outra obra, ela era a
mesma, só que com outra preocupação”.
“Cataclísmico
que possa parecer – para mim o é – lembro-me das páginas da Revista Galileu que
saiu em Agosto de 2012, falando sobre estantes mutantes, livros com outras
formas além da tradicional – livros de papel com led, que isso?! – e mais
outras formas diversas que transformaram o tradicional em algo adaptado. O
novo, às vezes, quando vem, só faz é trazer dor de cabeça. Tanto por causa de
inovações bobas, quanto por excesso de luzes onde se faz melhor o lusco-fusco
de sempre”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário