Irmãos.
Todos temos. Mesmo se filho único, temos o eleito, o não
sanguíneo, mas que num jogo de futebol você ralou o dedão junto com ele. Logo,
verdadeiro irmão de sangue. E irmandade, no sentido amplo, é a pura felicidade.
Não tem coisa mais feliz do que brigar com irmão, roubar-lhe o pão acabado de
ser preenchido com requeijão ou dar uma tapa e depois correr. Irmão serve para
isso: para aprendermos o mais lauto sentido do que é ser feliz.
Eu tenho dois, de ventre. Da mesma produção
paternal/maternal. Parecemo-nos fisicamente. Mas é por aí que para. Somos tão
distintos em nossas semelhanças, de rostos parecidos e vozes roubadas e
pensamentos congruentes, que nos distinguimos quando concordamos com as mesmas
escolhas. Ter irmão é isso: o mais puro senso de singularidade. Você se vê
nele, mas ele não é você.
Nessa primeira microcomunidade fraternal, você divide o
quarto, algumas roupas e dúvidas. Brincar ou ver televisão? Aprende que egoísmo
não leva a nada e que o melhor é viver nesse convívio. Com irmãos, aprendemos a
liberdade da molecagem, quando se disputa um verdadeiro campeonato de arroto,
por exemplo. Ou de qualquer outra coisa, irmão também serve para isso. Irmão
serve para tudo.
Quando exploramos o princípio da vida adulta, irmão nos mete
ou nos tira de enrascada. Eu, que era o mais velho, costumava dar aquela ajuda
ao meu irmão mais novo, sempre o mais nervoso de nós três. O meu irmão do meio
sempre teve um espírito zen budista. Tanto que se tornou o mais religioso de
nós três. Em matéria de namorada também, quando a ficar com a irmã mais nova –
e consequentemente mais feia. Vou aqui confessar uma situação que passamos há
muito tempo. Eu datava de uns 17 anos. O mais novo com 13 e o do meio com 15,
possivelmente 16. Estávamos em uma viagem para Bahia. Aquele sentimento de
curtição, uma vontade abrupta de querer viver novidades. Na praia de Trancoso,
soubemos da área de nudismo. Corremos. Muito. Lá chegando, nossas expectativas
foram severamente abandonadas. No caminho de volta à Escuna, apareceram três
meninas. Três. Conta exata. Sem mais nem menos. Uma linda. Uma bonitinha. A
outra, bem, nem se conta. Tadinha. Precisava de muito apoio. Malandro que era,
consegui uma. Nisso que cheguei, falando como um típico carioca, as outras
também vieram. O mais novo correu para o salvaguardo possível. O outro irmão
nos olhava com uma cara de pedido de ajuda, socorro típico. Foi pela irmandade,
hoje diremos, que ele ficou com aquela que sobrara. Acho que daí seu espírito
religioso tomou dimensão; passou a fugir de capirotos.
Com o tempo, a vida nos joga para a rua. Ensino Médio
descobrimos novos irmãos. Isso, no luxo de conseguirmos amigos que nos sigam
para toda a vida. Eu tenho dois pelo menos. Dedico algumas de minhas conquistas
literárias a ele. Na faculdade surgem outros, muitos. Coleciono uma penca
particular de felicidades. Três meninas. Meninos, aos montes. Pessoas com quem
divido a sala de aula. Todos em simbiótico espaço no meu coração.
Com a carreira de escritor, muitos outros. Paixões severas
que me tomam as pálpebras e corroo com eles a tristeza que imprime a pisada dos
cotidianos mais severos. Paixões não só por suas capacidades como escritores,
mas como seres humanos.
A sala de aula também nos dá professores e alunos amigos.
Cada ano eu ganho mais um. E mais um e mais um e mais um e mais um. Sei que
minha casa é pequena para colecionar tantas fotos de cada um desses novos
amores. Mas o coração de quem tem irmãos é enorme, adornado do mais puro e doce
calor. É como uma colher de pudim dividido. É um abraço diferente todo santo
dia.
Até digo, se você conseguiu passar a vida sem irmãos – das mais
variadas naturezas – aconselho a encontrar. Essa é uma das maiores
justificativas da vida.
Feliz dia do Irmão.