Falei isso para um amigo e ele ficou chocado: nunca gostei de meu aniversário. Esse amigo em particular é daqueles homens carpedianos, que pensam que a vida vai acabar no próximo segundo. Por isso, ele vive uma plenitude ininterrupta, quase bacante, inimaginada. Eu não. Para mim, a comemoração do aniversário era apenas uma formalização do nascimento e que servia para comemorar a data em que veio ao mundo, e não a velhice, a conquista de mais um ano, a graciosidade de se fazer vivo. Porém, agora vivo algo diferente: eu vivo a minha casa.
É como se eu tivesse acabado de nascer. O mundo é meu, da minha filha e da minha esposa. Sabe, todos os meus aniversários eram coadjuvantes de alguma outra comemoração. Pelo que me lembro, ou eu comemorei junto com meu irmão, Fabinho, ou com meu pai, meu Seu Luis, que faziam um mês antes ou um mês depois. Nunca era na data mesmo. E as comemorações, quando exclusivas, respeitavam certas limitações financeiras pelas quais a família passava. Então, o que há de se comemorar? Lembro bem o meu aniversário de dez anos. Foi para gente uma época ímpar, porque os meus pais resolveram criar-nos em uma casa. Compraram um terreno na mesma rua de nosso apartamento, fizeram uma casa que levou mais tempo do que deveria para ficar pronta, em certa época, a limitação de grana foi tanta que eles viraram pedreiros. Lembro também o fato de eu ter que fazer sanduíches para eles conseguirem suportar a fome – assim afirmavam. E num dado momento, no apartamento em que morávamos de aluguel – pois o outro fora vendido para custear ainda mais aquela faraônica obra – eles me fizeram uma festa. Linda, por sinal. No fundo, na filmagem – feita por um vizinho – havia Emílio Santiago cantando horrores, e o refrão “Anoiteceu, olho pro seu beijo, como é bom” tornou-se um tanto metafórico, pois eu fazia dez anos, uma década, uma nova perspectiva. Aprendi ali que não devia pedir nada aos meus pais, por causa do esforço que faziam. Passei a trabalhar cedo para não dar mais custos a eles. Senti que era um dever meu ajudar a criar os outros dois. Eu era o primeiro, precisava não somente dar o exemplo, mas apadrinhá-los como meus. E somente hoje eu vejo a raiz do meu vício pelo trabalho. Papai mesmo um dia me perguntou o porquê de eu não pedir nada a eles, não soube responder. Acho que encontrei o motivo agora.
Eu não curti nada daquela festa. Não que tenha sido ruim, lembro meu padrinho rindo de se acabar, meus primos, dos dois lados da família, por lá. Não lembro o bolo, não lembro os salgadinhos. A filmagem substituiu minhas memórias. As duas únicas coisas que me lembro daquele apartamento é meu irmão com o dedo inchado por causa de uma abelha e meu outro irmão, o Riquinho, tentando estancar os ininterruptos sangramentos do nariz. Famosíssima adenoide, que voltou ao lugar, como que por mágica. Mais tarde, nessa mesma casa, lembro um outro aniversário que vivi junto com meu pai, era a data dele, amigos de minha mãe, uma ex-namorada minha, um punhado de amigos que fui pegar, nada de muito. Uma amiga da minha mãe, a hipocondríaca, afirmou que minha namorada era até feinha. Tadinha, não era não. Mas ela contribuiu e muito para minhas descobertas vindouras. Aquele havia sido meu último aniversário acompanhado de meus parentes diretos. Nem hegemonia na minha data eu tinha. Eu a dividia com a filha de um amigo do meu pai.
Depois disso, meus aniversários eram coletivos a sogros. Eu não era o motivo da comemoração. Tuninho, esse meu O SOGRO era dia 17 de setembro. Com ele, não vou negar, até curti algo, mas pena que foi pouco. Só que a conversa que tive com o amigo sobre a comemoração me despertou. Somada a minha esposa estar combinando com minha mãe uma comemoração modesta – nada de excessos, graças a Deus – e agora o fato da vida ter se tornado completa, passei a ver a data com outros olhos. Esse ano será num sábado o 19 de setembro, hoje, e como sábado que é, será um descanso. Um descanso de todo esse turbilhão inapropriado que criamos para nós mesmos e que agora merece uma reinvenção. O aniversário, que será na minha casa, será meu aniversário. Renasço aos 30 anos, número que já me fez escrever um não sei quanto de textos aqui retratando a perspectiva que se cria aos 30. Agora, como útero literário, crio um renascimento com o fim de poder saborear mais a vida. Porém, não irei influenciar o que irá acontecer nele. Quero apenas que venham, curtam a casa como estarei curtindo, se quiserem cair bêbados, eu ficarei muito feliz. Se quiserem passar a noite, também será de muito agrado, pois eu a comprei com tais dimensões não à toa. Antes eu era um misógino misantropo, fechado na desculpa da inadaptação ao mundo, apenas dando voz à minha timidez persistente. Ainda não a venci, sou tímido bagarai, sinto aquele eterno medo de falar com pessoas novas, com as quais não me acostumei. Ainda sofro de menos valia, que suponho que nunca será vencida, mas apenas a demonstro aqui no texto. Lá na casa comemorarei um novo bem-estar. Pensei que nunca fosse vencer isso, mas consegui. Quem disse que precisei de terapia? Tudo bem, eu tive um terapeuta, meu amigo pessoal João Andador.
Nem sei bem o que irá acontecer hoje. Nem quero estipular. Mas tirei esse dia para comemorar-me. Espero que você que está lendo possa vir aqui. Sinta-se convidado agora para vir, eu vou onde que for para te trazer. Será um nascimento filmado, comemorado e bebido e fumado. Muita comida, muita música, muito espaço. Venha, pois hoje eu estou nascendo. Só não traga mantinhas, venha com muito engov e fome em excesso, e quero muitas piadas, das maiores, das melhores. Rir com o mesquinho da piada ruim é que vale a pena. Não se sinta acanhado, pois desta vez eu estou nascendo, bem aos meus 30 anos. Feliz Aniversário para mim!
N.E: Um outro detalhe, anos mais tarde descobri que a música Saigon tinha uma outra letra: “Anoiteceu, olho PRO CÉU E VEJO como é bom”. Trecho modificado hoje, aos meus trinta, como talvez uma forma de agradecimento. Lá em cima está Tuninho comemorando, eu aqui em baixo. Essa dose é pra você, véi. Feliz Aniversário para todos. Até para mim, dessa vez.
É como se eu tivesse acabado de nascer. O mundo é meu, da minha filha e da minha esposa. Sabe, todos os meus aniversários eram coadjuvantes de alguma outra comemoração. Pelo que me lembro, ou eu comemorei junto com meu irmão, Fabinho, ou com meu pai, meu Seu Luis, que faziam um mês antes ou um mês depois. Nunca era na data mesmo. E as comemorações, quando exclusivas, respeitavam certas limitações financeiras pelas quais a família passava. Então, o que há de se comemorar? Lembro bem o meu aniversário de dez anos. Foi para gente uma época ímpar, porque os meus pais resolveram criar-nos em uma casa. Compraram um terreno na mesma rua de nosso apartamento, fizeram uma casa que levou mais tempo do que deveria para ficar pronta, em certa época, a limitação de grana foi tanta que eles viraram pedreiros. Lembro também o fato de eu ter que fazer sanduíches para eles conseguirem suportar a fome – assim afirmavam. E num dado momento, no apartamento em que morávamos de aluguel – pois o outro fora vendido para custear ainda mais aquela faraônica obra – eles me fizeram uma festa. Linda, por sinal. No fundo, na filmagem – feita por um vizinho – havia Emílio Santiago cantando horrores, e o refrão “Anoiteceu, olho pro seu beijo, como é bom” tornou-se um tanto metafórico, pois eu fazia dez anos, uma década, uma nova perspectiva. Aprendi ali que não devia pedir nada aos meus pais, por causa do esforço que faziam. Passei a trabalhar cedo para não dar mais custos a eles. Senti que era um dever meu ajudar a criar os outros dois. Eu era o primeiro, precisava não somente dar o exemplo, mas apadrinhá-los como meus. E somente hoje eu vejo a raiz do meu vício pelo trabalho. Papai mesmo um dia me perguntou o porquê de eu não pedir nada a eles, não soube responder. Acho que encontrei o motivo agora.
Eu não curti nada daquela festa. Não que tenha sido ruim, lembro meu padrinho rindo de se acabar, meus primos, dos dois lados da família, por lá. Não lembro o bolo, não lembro os salgadinhos. A filmagem substituiu minhas memórias. As duas únicas coisas que me lembro daquele apartamento é meu irmão com o dedo inchado por causa de uma abelha e meu outro irmão, o Riquinho, tentando estancar os ininterruptos sangramentos do nariz. Famosíssima adenoide, que voltou ao lugar, como que por mágica. Mais tarde, nessa mesma casa, lembro um outro aniversário que vivi junto com meu pai, era a data dele, amigos de minha mãe, uma ex-namorada minha, um punhado de amigos que fui pegar, nada de muito. Uma amiga da minha mãe, a hipocondríaca, afirmou que minha namorada era até feinha. Tadinha, não era não. Mas ela contribuiu e muito para minhas descobertas vindouras. Aquele havia sido meu último aniversário acompanhado de meus parentes diretos. Nem hegemonia na minha data eu tinha. Eu a dividia com a filha de um amigo do meu pai.
Depois disso, meus aniversários eram coletivos a sogros. Eu não era o motivo da comemoração. Tuninho, esse meu O SOGRO era dia 17 de setembro. Com ele, não vou negar, até curti algo, mas pena que foi pouco. Só que a conversa que tive com o amigo sobre a comemoração me despertou. Somada a minha esposa estar combinando com minha mãe uma comemoração modesta – nada de excessos, graças a Deus – e agora o fato da vida ter se tornado completa, passei a ver a data com outros olhos. Esse ano será num sábado o 19 de setembro, hoje, e como sábado que é, será um descanso. Um descanso de todo esse turbilhão inapropriado que criamos para nós mesmos e que agora merece uma reinvenção. O aniversário, que será na minha casa, será meu aniversário. Renasço aos 30 anos, número que já me fez escrever um não sei quanto de textos aqui retratando a perspectiva que se cria aos 30. Agora, como útero literário, crio um renascimento com o fim de poder saborear mais a vida. Porém, não irei influenciar o que irá acontecer nele. Quero apenas que venham, curtam a casa como estarei curtindo, se quiserem cair bêbados, eu ficarei muito feliz. Se quiserem passar a noite, também será de muito agrado, pois eu a comprei com tais dimensões não à toa. Antes eu era um misógino misantropo, fechado na desculpa da inadaptação ao mundo, apenas dando voz à minha timidez persistente. Ainda não a venci, sou tímido bagarai, sinto aquele eterno medo de falar com pessoas novas, com as quais não me acostumei. Ainda sofro de menos valia, que suponho que nunca será vencida, mas apenas a demonstro aqui no texto. Lá na casa comemorarei um novo bem-estar. Pensei que nunca fosse vencer isso, mas consegui. Quem disse que precisei de terapia? Tudo bem, eu tive um terapeuta, meu amigo pessoal João Andador.
Nem sei bem o que irá acontecer hoje. Nem quero estipular. Mas tirei esse dia para comemorar-me. Espero que você que está lendo possa vir aqui. Sinta-se convidado agora para vir, eu vou onde que for para te trazer. Será um nascimento filmado, comemorado e bebido e fumado. Muita comida, muita música, muito espaço. Venha, pois hoje eu estou nascendo. Só não traga mantinhas, venha com muito engov e fome em excesso, e quero muitas piadas, das maiores, das melhores. Rir com o mesquinho da piada ruim é que vale a pena. Não se sinta acanhado, pois desta vez eu estou nascendo, bem aos meus 30 anos. Feliz Aniversário para mim!
N.E: Um outro detalhe, anos mais tarde descobri que a música Saigon tinha uma outra letra: “Anoiteceu, olho PRO CÉU E VEJO como é bom”. Trecho modificado hoje, aos meus trinta, como talvez uma forma de agradecimento. Lá em cima está Tuninho comemorando, eu aqui em baixo. Essa dose é pra você, véi. Feliz Aniversário para todos. Até para mim, dessa vez.
8 comentários:
Analisando: eu também nunca gostei do meu aniversário, mas às vezes descubro esse renascimento em outras datas mais medíocres do ano.
De repente seja mesmo necessário que muitas coisas aconteçam para aprendermos o valor de nós mesmos temos. Daqui a onze anos serei eu trinta! E momentos de ansiedade me consomem.
É, isso mesmo, e eu 41 anos. Não vou negar, a síndrome de Peter Pan que eu estava sentindo acabou ontem. Aceito o fat ode estar ficando coroa. Muito coroa.
e num excelente dia, Cauby Peixoto cantou com sua bela voz para um caixa de uma filial de uma rede de fast-food... =)
todas as coisas excelentes que existem no mundo para ti, irmaozinho!
bjo bem grande no seu coracao
A vida é algo a ser celebrado, seja ela como for, pois é uma dádiva. Se soubermos aproveitá-la, ela se torna ainda melhor. Você, Calixto, sabe aproveitá-la. Não que você seja carpediano ou algo parecido(já constatou que não o é), mas você sabe, por tudo o que passou, o valor que ela tem e faz questão de declarar para quem quiser ouvir que a sua vida é linda pelas três subentendidas nela. Isso te faz ser o que você é: um ótimo professor, um excelente comediante, um grande amigo e uma pessoa magnífica. Por isso, meu amigo, comemore sim o seu renascimento, o seu aniversário, pois o aqui passa rápido e se não o fizermos, trocamos o prazer de viver pelo sofrimento de apenas existir. E olha que eu digo isso tudo tendo convivido apenas um ano e somente às quartas-feiras com você. Imagina os teus chegados hein! Um feliz aniversário-atrasado- pra você. Que o tempo vinduro seja o ainda mais feliz da sua vida! Você merece!
Um grande abraço!
Cacete, que mensagens fortes aqui. Valeu mesmo! Mesmo mesmo! Obrigadão!!!
Bem Vindo aos 30s, meus caros! Saiba que a vida dessa perspectiva muito melhor do que a dos 20s! Um beijo grande, pra variar o texto está excelente, deu para ouvir Emílio Santiago e entrar agora na casa bonita - imaginada, dada o preço da passagem ao Rio! Beijo, parabéns!
Tati, a casa está sempre aberta para ti e para todo mundo. Comprei realmente uma casa grande para receber todas as boas pessoas. Passei a minha vida inteira limitado a uma constância social chata, que agora se rompe. Na verdade, para todos da bagatelas - os bons - para aqueles que querem fazer literatura, beber uma cervejinha, comer um churrasquinho ou qualquer outra coisa. A casa é grande, o coração é enorme, sempre fui amistoso, agora quero ser amigo mesmo. Obrigado pelos comentários, mesmo, quem dera eu poder colocá-los no meu currículo como professor, mas estão mesmo no meu currículo amoroso, aquilo que justifica a paz do sorriso no meu rosto. Obrigado mesmo, gente.
Adorei! Ótimo texto e tenho certeza q a festa foi linda ... Pena, como sabes, que não pude ir por conta da p... do trabalho! Mas como vc já "perdeu a virgindade" (em comemorar os niver, digo) rsrsrs aguardo a festa dos 31! Abras meu querido amigo!
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