domingo, 14 de março de 2010

Finitude.

Estranho uma vez mais voltar ao tema, mas sempre fui muito intrigado com a morte. Entendê-la como fim sempre me fez mal, e saber, ao mesmo tempo, em que um dia eu terei de ir, claro que me causa comoção fina, fuinha, pequenininha. Saber que a cada dia de vida que se passa mais próximo dela está dá a alguns aquela sensação de se vencer o cotidiano e buscar ainda mais aquela fonte prazerosa de vida, fluente, viva, intumescida, arcaicamente sexual, um sem limite ao excesso. Mas eu, como eu próprio, não a vejo para mim. Principalmente o que passei essa semana, no meu eterno vício pelo trabalho.
Que trabalho demais, todos sabem. Que sou workaholic, isso não é de agora. Que vejo vida no trabalho, também já disse. Mas ainda não sei o equilíbrio e dessa vez, essa semana, ele se mostrou valente. Uma gripe, além do normal, me fez chegar a uma febre de quarenta, tremedeira, voz perdida e falta de consciência. Peguei minha filha na creche dirigindo na sorte do conhecimento do caminho, se algo novo fosse feito, ali teríamos ficado. A trouxe para casa, me joguei no sofá e não lembro de mais nada. Mais nada mesmo. Essa crônica é como um testamento de nossa eterna imbecilidade. Perceba que a coloquei no plural, pois não sou apenas um exemplo, sou tão vítima quanto todos aqueles que muito trabalham. Mudei para longe, julguei que aqui eu iria encontrar um outro senso de paz, até o encontrei, mas já consegui burlá-lo em nome de uma doente vontade capitalista que parece enraizada. Sou resultado da eterna involução das espécies.
Nesse momento eu não consigo deixar de pensar nos clipes do Pearl Jam – Evolution – e do Pink Floyd – Another Brick in the Wall. Sabe aquelas cenas em que as crianças saem com o mesmo rosto e os cabos entram pelos homens que trabalham em cubículos iguais? Aquelas cenas não são apenas metáforas de um mundo corporativo, elas são a síntese de uma revolucionária evolução que se inicia no século XIX e transforma o homem em engrenagem. Chaplin nos disse. Nós nada fizemos. Até porque, todos que moveram o mundo, assim o fizeram em nome do acúmulo. Eu acumulo ao longo dos meus trinta prestações que alimentam o meu sufoco, barriga que se cresce, horário que se somatiza. Já vivo de energético para ter ânimo. O café é meu pastor. Almoço, quanto mais rápido, melhor. Saí da cidade grande. Tenho uma plantaçãozinha. Nela colho grãos que não verei crescer. Meu pai hoje achou uma tangerina que estava quase caindo. O aipim perdeu a validade. Algumas roseiras morreram por falta de água. Minha esposa também não tem tempo. Toma um remédio ou outro para segurar a onda da pressão. Aliás, uma de nossas últimas aquisições foi uma maquininha de pulso que afere sua pressão arterial. Desde que a compramos ela está em cima da mesa da sala. Comemos, vemos uma série ou outra revezando o aparelhinho, “E aí, como tá aí?’, ‘Hoje tá menor do que ontem’, ‘Mas já é pressão normal?’, finjo que está tudo bem.
Meus bons amigos sempre me dão aqueles eternos conselhos, uns se mostram mais preocupados, outros apenas se veem na situação, isso já somos, exemplos de uma juventude desconexa com as próprias vontades, vivendo de nostalgias inexistentes, de eternas possibilidades de existir, mas nada de substancial e belo. Julgamos estar felizes pela casa, mas toda prestação nos lembra de que ela realmente ainda não é nossa, nasce nosso filho – felicidade completa em si – mas ele é também apenas a declaração de nossa velhice, e nada, mas nada, parece que vai ser feliz em plenitude. Lembra da Hiena – ó vida, ó céus, ó azar? – penso que ela ali encontrou a síntese da felicidade, ao se declarar eternamente triste. Mas preciso dizer que eu não me vejo assim. Sou um tanto carpediano ao querer ver tudo pelo lado bom das coisas. Porém, quando se percebe um fim para lá de próximo, querer ver o belo é apenas um alento aos outros, uma exteriorização, uma desculpa. Todo belo é temporário. Hoje até disse ao meu pai que toda ambição é temporária. Minha atual ambição é não ter ambição. Será possível?

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