Para quem não sabe, entro todo santo dia aqui no Pictorescos. Tanto na esperança de saber como anda o filho pródigo, quanto também para ver as publicações que aqui entram. E sei, concordo até, o pouco que tenho escrito para cá não se dá na ideia de que não há mais nada a ser escrito, não há mais nada a ser publicado – a não ser, claro, as publicações burocráticas que tenho mantido, que podem até cansar o sítio. Mas o fato é que, pela premissa de escrever todo santo dia, tenho me respaldado a fazer apenas a escrita de uma única coisa: o meu romance.
Já havia escrito para cá sobre esta experiência, de suas angústias, dos excessos de pensamento, do lado crítico que nega a obra, da vontade que se faz retornar, mas este texto, pelo título que aqui lhe dei, acaba sendo autoexplicativo. Estou num processo ambicioso de fazer terminar o que julgo estar em processo de conquista. Percebeu a quantidade de abstrações? De um conto – que me são tão comuns – a um romance – que sempre fora a minha ambição, o caminho está sendo árduo, vertiginoso, mas estou a fazê-lo. Ainda um pouco alheio ao processo de qualidade – que farei acontecer ao final do trabalho – estou escrevendo com a mesura de estar fazendo um romance, de sair da singularidade e expressividade de um conto para se chegar a um, que assim julgo o texto.
Sou daqueles – não nego – que o considero um produto maior, um modelo maior, um totem. Elevo-o como a um Deus, um ser mítico possível de ser conhecido, de ser identificado como Deus. Vejo, na verdade, que o texto em prosa tem esse fascínio sobre mim – apesar do meu absoluto gosto pela poesia, pelo ritmo, pela letrificação, pela singularidade e coesão – a prosa me é a musa que me deixa bailar para seu encontro.
E engraçado, julgo estar conquistando o espaço desta. Uma vez, em uma discussão, veio uma amiga afirmando que não precisa de certas conquistas para se ver como escritora. Eu, em minha aniquilação constante, disse-me a mim mesmo que eu tinha tais necessidades. Eu sou daqueles de beijar de olhos abertos, para ter certeza da conquista, de que aquilo é real. Faço tal até hoje com minha esposa, ainda não acredito que a tenho como esposa. Talvez seja por isso o meu fascínio pela prosa, gostava de ficar bajulando o livro depois de tê-lo lido. Rodava-o em minhas mãos, vendo capa, costura – ou cola – o desenho, a orelha, imaginava como seria um livro meu. Tive isso, pela primeira vez, quando li, ainda muito garoto, Raul da Ferrugem Azul. Como aquele livro fora importante, poder desenhar com letras as possibilidades das cores, as cores que alguns viam e outros não. Crucial para vencer a minha frustração com o desenho que mal saía – e as cores que passei a não colocar, só desenhava com o lápis – a escrita foi sempre a possibilidade de poder desenhar na exatidão do outro, e não na minha.
E agora, saber que o escrito não é só um conto, uma folha, um desenho do texto sonhado, mas o texto em si, a prosa, o longevo do quadro romanesco, para mim está sendo a glória o gosto e a descoberta. E sim, só me sentirei completo o dia em que pegá-lo nas mãos, pós-editora, pós-todas as análises, e ali poder me dizer, agora sou escritor, pois tenho um livro com o meu nome e minha prosa, ali sim me sentirei completo, me chamarei escritor. Desculpa, sou daqueles que precisam apalpar para acreditar. Sou esteta e estético, preocupado com o viço e o vício. E meu vício de tocar a minha minúcia me faz ser um pouco distante – não indiferente – àquilo que é de minha geração, ser escritor da internet, da geração que venceu a ditadura das editoras. Mas dou meu braço a torcer, ainda as desejo, quero que julguem o que escrevi, que me sejam sinceros, sem aquelas mesuras da elegância e etiqueta. Consigo suportar a ideia de que está uma bela bosta, pois o que quero é produzir literatura. E nesse ato tornar-me um fordista cotidiano. Já o estou assim. Quando não escrevo aqui na máquina – minha Olivetti tem tela e programa – fico matutando e maturando na memória, salvaguardando na lembrança de que aquela frase está aqui, que a pena quer escrevê-la – ou digitá-la – só que naquele bendito dia não foi possível ir à máquina. Escrevo mais pensando do que na máquina, mas quando a ela me posto, como o dedo corre. Essa sensação é outra glória.
No meu atual romance – outros três foram abandonados – terceiro capítulo, texto em fluência, aspectos novos, nunca traçados, nem em treinos, nem por outras perspectivas e exercícios – me propunha exercícios costumeiros – o texto se eleva, ele quer se sair. E como entidade, deixo-o me conduzir, não lhe sou freio, não lhe entrego preocupações. Mas para escrever, preciso ler a página anterior toda, às vezes o capítulo, saio dele como se desligasse, a entidade não deixa lembranças do que estava antes, mas de mim se apodera no momento da leitura, ali sou o um que escreve, que desenha, sem ponderações de hierarquias. É bom saber que estou conseguindo escrever. E é um romance.
Não me delongarei. A vontade de retornar àquele texto está se fazendo premissa de novo. Por isso, o pedido, os que me cobram, que me cobrem, continuem, gosto da cobrança, movo-me por elas, sim, preciso de vocês sempre. Daqueles que comigo escrevem, daqueles que me pedem o escrito, mas saibam, não é abandono, sinto que agora é a minha chance. E ela está mais forte do que nunca.
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