quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

À Tia Macaca e Vovó Thetê

                Se houve alguma saúde esse ano, eu devo a vocês. Depois de tanta surra, se houve alguma barreira a Amostra, esta eu devo a vocês. Depois de tanta luta renhida, travada no silêncio dos bastidores, viver quase toda síntese da derrota, acusado como motivo, se Minha Pequena Essência da Felicidade pouco ou nada soube, se ela despertou ainda mais para a vida, para o desenvolvimento de sua inteligência, para o todo que ela pode se tornar, eu também devo a vocês. Devo muito também a vários. No entanto, não há débito maior que aquele que se faz sem as cobranças financeiras, mas na súmula íntima da dedicação e da necessidade de ver transformação. Se houve alguma transformação positiva, eu devo a vocês.
                Eu devo a vocês os livrinhos de jogos, desenhos e brincadeiras que ela recebeu. Eu que não tinha tempo para comprar, para ir à banca e olhar o que tinha a cara dela. Eu devo a vocês os exercícios feitos, a paciência que ela exigia, carente, tão carente, tão lá e não aqui. Eu que não fui tudo, mas algo tentei ser, no fim limite do meu trabalho, quando com ela, às noites, a brincar um pouco, a conversar um pouco, a ninar quando me sobravam seus pequenos olhos abertos. Agora ela e me está tão distante.
                Eu devo a vocês um muito. Um eterno pedido de agradecimento. Não é a primeira vez que recorremos, agora então como produto misto de tantas desgraças e perdas e realocações e refeituras, parece não haver tempo para um fôlego, é sempre maratona atrás de maratona, correria que se faz para correria, com pouca chance ao descanso, com nenhuma chance de tranquilidade. Ainda sim, agradeço, em meio a lágrimas sufocadas, gritos de desespero mordido de língua. Agora, limitado à imposta distância que se fixa à minha realidade, antes produto do sonho dela, agora só do infeliz eu, aqui sozinho estou. Vivo o cárcere das dívidas financeiras. Abandonado alimentando cachorros e mato. Vendo no entorno todas as desorganizações, as faltas de conversa, a crença cega de que era a capaz, eu aqui, limitado, vilipendiado, socado em feno como estrume, esperando ser ruminado na íntima virulência de todas as tristezas. Finitude bate à porta, como forma de libertação. Mas antes de buscá-la, vou honrar a cada um.

                Findo aqui esta minha crônica vontade de me redimir. Perdão por todo e qualquer erro que deixei acontecer, que vitimou cada uma de vocês duas. Fico-me mais tranquilo, entretanto, por saber que há vocês, há a Bisavó, a questionada que não deveria ser, ela é também alvo de minha paixão, de meu amor, de minha eterna gratidão em existir. Só peço que nessa nova jornada de paralelepípedos disformes em passos de salto alto eu não seja marginalizado, usado como argumento de motivo ou até esquecido. Eu nunca esquecerei vocês. Amo-as. Muito. E muito obrigado – por tudo! 

Natal de 2014

Desta vez não teve árvore
Enfeites
Rostos felizes de noéis chineses
A soar barulhos incompreensíveis que aceitamos como músicas de Natal

Desta vez não teve correria
De uma preocupação quando a casa fosse se encher
Com parentes que já ansiavam ceia
E todos os quitutes guardados
O cheiro inundando a casa
A geladeira segregando garrafas pet de água
Para caber mais e mais doces estupidamente enormes
Rabanadas estupidamente amontoadas
A luz da mesma geladeira pedindo socorro
Tudo que poderia traduzir um feliz caos.

Aqui dentro jaz o silêncio do esquecido
Daquele que não merece mais ser parte
A única palavra que pensa é Vilipendiado
vi-lhe pendurado
será que após serei perdoado
da estupidez que adorna raciocínios?

Vão-me dizer que escolhi
Fruto permitido da ogiva desta sua tristeza
A contornar mágoa com uma máscara
De íntima iniquidade de existir
O que você fez será eternamente perdoado
Pelos remédios que consomem esta sua lucidez.

Lucy in the Sky of Diamonds
Todos dizem que é eterna sensação de elixir
Mas o que eu quero era poder estar aí
Ritmando o caminho
Engenheiro de obras prontas
A dizer
Que a quantidade estúpida de rabanadas será pouca
Que a quantidade estúpida de doces será pouca
Que o tamanho do chester, tender, presunto, arroz, uva passa, nozes, castanha, refrigerantes, bebidas das mais diversas e tudo de todo o outro que agora me vem à cabeça será pouco.

Agora tudo são lembranças
Tudo são esquecimentos
São mágoas
São reticências

Marco o Natal de 2014 pela ausência da árvore de Natal nesta casa enorme
Tão grande quanto toda a tristeza que hoje ela adorna
Toda a injustiça que dela aflora
Eu que sou vilipendiado
Maltratado
Esquecido
Invalidado
Sem direito a porta de entrada
Com a porta de saída tão escancarada
Lá há alguém que me chama
E diz, “Vem, não há mais volta. Essa sua vida foi só revolta. Entenda o todo em que te transformaram. Aqui também não há luz. E esta é nossa sorte, pois nada e tudo se confundem”.

E de lá que hei de aceitar o convite.
Para cear.
Pela última vez.


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