quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O material de uma crônica

Lembro-me de várias crônicas, daquelas típicas de jornal, que sempre retrataram o problema que todo cronista tem em encontrar o tema para escrever. A crônica tem por si só o respeito ao cronológico, ao momento, ao agora. Mas sempre pensei na crônica como aquilo que se faz do crônico, do extremo, daquilo que mais incomoda ao cronista e o faz produzir o texto. A crônica é resultado de quem muito vive.
E hoje, tentar encontrar o crônico não é tão difícil. O mundo, por se dotar de extremos que nos incomodam muito, fornece um material para lá de simples e fácil de ser trabalhado. Mas aí se chega a um outro problema, só escrever sobre isso passa a deixar o texto poluído, chato, pedante. O crônico social é um material para lá de rico, mas só mostrar nossas mazelas deixa a vida ruim, é muita verdade para ser digerida. É aí que entra o outro lado do cronista, mostrar as belezas mais sutis do mundo, o delicado, o límpido, o puro, em algo que se denota de lirismo e força. Tudo bem, isso pode ser visto como escapismo, indiferença ou alienação, mas cada um precisa sempre de uma dose de verdade e uma dose de alívio. O cronista é um escrivinhador de panaceias, de barbitúricos que fornecem algum alívio para suportar o dia. O cronista se coloca como um agente do bem-estar coletivo. O cronista é uma garrafa de uísque.
Ele – ou ela - também serve para dar opinião, para dar conselho, para mostrar o nada, para ser um representante do caos, ou qualquer outro papel que se defina como um agente catalisador do mundo. O cronista, não só como pessoa é visto primeiro como exemplo, depois como copo, e, por conseguinte, como a melhor das doses. O cronista serve o sabor. A crônica é o gole.
Por isso, não sei se o problema dos cronistas mesmo é encontrar todo o material que deve ser trabalhado em um texto. O que vale mesmo é escrever o texto por ele próprio, sem aquela preocupação com o agente motivador da crônica. Uma vez escrevi sobre minha filha, outra vez, escrevi sobre o casamento, em outras escrevi sobre o próprio ato de escrever, como nesse texto aqui. A crônica é a linha que cada um deve ter na mão como resultado de ter segurado uma caneta, sabe aquela manchinha azul nos dedos? Isso já é crônica. Por sorte, algumas se perdem do aspecto cronológico e se tornam atemporais. Essa é a melhor coroação que se dá a uma crônica. Que o digam as de Drummond, do Scliar, do João Ubaldo Ribeiro e de alguns outros, que ecoam no imaginário humano e nos fazem congruir felicidade até hoje. Todo cronista hoje é cronista por causa desses caros. Caros mesmo.

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