Disse-me uma vez uma namorada: você se tornou um ogro, o que aconteceu? E não soube responder. Tive que concordar que após certo tempo do relacionamento, eu estava relaxado, pouco pensativo, marital. Não estava mesmo dando aquela atenção a mais, com um sorriso, um carinho no rosto ou na perna, um tapinha ali atrás. Por mais machista que isso seja, esses tapinhas levam a um natural sorriso delas. E eu tinha aberto mão dos tapinhas – estranho ao se abrir mão e não dar o tapa – e depois de não mais do que um tempo desses em que percebemos a perda de algo, ela reclamou a falta de romantismo de minha parte.
Sempre me fiz assim, um príncipe romântico – mesmo que minha barriga as diga o inverso – e fui de palavras doces, delicadezas auditivas e um pouco de leveza ao chegar até elas. Algo que Mestre Vinícius ensinou. E depois do fato consumado, relacionamento firme, um dedo de mês ou outro, como um desencanto, eu naturalmente perdia esse romantismo e passava a ser apenas mais um homem qualquer que se estabiliza num relacionamento e que se deixar, se apresenta casado assim mesmo, sem mais nem menos, puro cotidiano. Depois vi que isso não era só meu, quase todos somos românticos, bobos, ingênuos, firmeza humana de relacionamento puro, quase uma obra do século XIX, mas depois da noite, da cama, da antipureza, do Naturalismo redentor da carne, voltamos ao extrato do século XX, que deixa linear o que fora turbulento.
Outra namorada até me perguntou, o que houve com as mensagens que você sempre me mandava?, e uma vez mais a irresposta. Tinha até me esquecido que mandava mensagens. Eram boas. Não vou negar. Tanto que ela, evangélica, deixou o evangelismo de lado e se deu ao acaso da viagem. Mas nela havia aquele dote de confiança, e eu fui meramente homem, a pensar mais com as calças. Tal qual todos. Como fui estúpido. Boas moças que perdi ao longo da jornada.
Não que eu me preze a ter saudade. Elas são passado. Muito longe de passado. Nem memória compõem elas em mim – tudo bem, uma ou outra, qual homem que não tem? – mas não é nada assim, ó, que memória, lembrançona maneira essa, bicho. Porém, ficou aquele elevado da cicatriz, que de vez em quando dá aquela dorzinha da lembrança do machucado. Boa parte das vezes essas lembranças vêm quando vejo alguns novos casais se formando e há toda aquela juventude a corroer de superficialidade – aos meus olhos – aquilo que eles julgam ser a experiência da vida deles. A descoberta é muito gostosa – quem não se lembra dela? – mas só de saber o script de todo aquele processo, já me encho de desesperança e o conselho mais estático, frio, moderno, grosso, masculino, me vem à ponta da língua. Mas o mordo, evito deixá-lo sair. Tento me contaminar com aqueles olhinhos brilhosos, vivendo uma sensação de benesse. Mas por ter casca grossa, sou de difícil contaminação.
Aí, então, dia desses, me vem a esposa: por que você não me beija mais a mão? Você costumava beijar a minha mão. E realmente, ela entrava na sala de professores de uma escola em comum de trabalho e lá eu estava, a esticar a palma, puxar a dela e dar aquele leve beijo. Às vezes, o beijo era na testa, em sinal de respeito. Até hoje beijo a testa, como respeito. Não mais do que. E isso se dá com todo mundo. Meus amigos e amigas, principalmente. Já li estranhamento em certos olhos. Algo que pupila neles aquele argumento de loucura sobre mim, mas o que fazer? Não que eu queira ser diferente, longe disso, eu só não quero ter problemas próximos que me façam perder essa mulher que hoje tenho. Com ela me tornei pai, estou numa família que julgo sadia – loucuras todos temos, é nosso de nosso encontro – mas eu senti aquele toque do problema de antes. Disse uma vez a uma amiga literária, descobrimos que amamos quando estamos no banheiro. Você a escovar o dente e seu cônjuge no reflexo do espelho, a fazer caretas sentado no vaso, e aquilo não te incomoda. Ao contrário, alimenta um desejo pelo conhecimento àquela pessoa que faz o relacionamento se tornar duradouro. Só que houve a saudade do beijo na mão, que estou mais rápido em minhas investidas, menos preocupado, mais dorminhoco, menos homem, mais marital. Por sorte, ela me fala em tom leve, cobrando carinhosamente, esta sabe que não deixei de ser romântico, apenas adormeci o monstro-doce. Só que nós, homens, somos românticos, quando estamos à caça do bendito sovaco de coxa, do entrepernas, da danada, da perseguida – nunca gostei deste nome, mas me atém aos eufemismos que aqui quero. Logo depois dele, um abraço, somos lembrança. Eu pelo menos ligava no dia seguinte. Até fazia juras, ia um pouco mais adiante. Mas depois era como qualquer um.
Porém, como disse, sou casado. E tenho que concordar que Deus escreve certo por linhas tortas. Não sou religioso, ou melhor, institucionalizado. Se hoje consigo chegar a mais de quatro anos casado, é porque tenho uma leve constante de romantismo em minha vida. Dormir fazendo carinho, evitar grosserias, discussões, bate-boca, isso nunca fizemos. Saber dividir o controle remoto, não deixar a lata de cerveja na pia, abaixar a bendita tampa do vaso, apertar o tubo da pasta por baixo, tirar a barba da pia, pedir licença na hora dos barulhos, um toque de romantismo moderno. E tem dado certo. Posso não ser o maior dos românticos, mas me mantenho constantemente romântico. É uma dica, para esses novos homens que por aí surgem. Pode até ser difícil e digo por experiência, ter várias mulheres numa época é muito bom, mas depois se torna um jogo vazio. Não tem coisa pior que voltar para casa sozinho, ou ser recebido pela mera escuridão de sua sala. Incomodava-me depois do triatlon – sair prum encontro, comer e depois comer – deixá-la de banho na casa dela e voltar sozinho, no perigo da madrugada carioca com cheiro de pólvora. Hoje ganho abraço de alguém que pula no pescoço e outra que abraça e diz ter aquela leve saudade. É nisso que a vida se basta.
Por isso, digo que hoje sou irrefreavelmente romântico, na lembrança leve dessas que perdi; na certeza dessa que sempre será minha. Graças a Deus.
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