sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cala a boca que eu quero dormir!


É impressionante como tem gente que realmente não consegue se limitar ao próprio espaço, e por questões que eu nunca saberei explicar e muito menos entender, precisa da atenção de qualquer um, a qualquer custo. O caso mais famoso de carência explícita é a viagem de ônibus. E isso tende a piorar quando o seu destino – e, por azar, o do infeliz sentado ao seu lado – é outro estado, que parece estar localizado em outra galáxia.
É um tempo que naturalmente já demora a passar, mesmo com a persistência de um olhar suplicante ao relógio, que insiste em retroceder a cada espiada. Você pensa que o pior não é estar ali, com um inconveniente ao seu lado, e tenta manter sua cabeça em qualquer lugar do mundo, ou até fora dele – desde que seja bem longe daquele ser estranho. Mas, depois de minutos que parecem uma eternidade, percebe que por maior que seja a sua tentativa, ela é inútil, pois os “ahans” ditos por mera questão de educação parecem roubar toda a sua concentração.
Tudo o que você queria, quando achou a sua poltrona, se acomodou lá e colocou os fones de ouvido era realmente ouvir suas músicas em paz, ler umas duas ou três placas indicando cidades diferentes e, depois, cair no sono. Foi tudo o que eu não fiz.
– Licença... Você vai fazer alguma prova? – já revirei os olhos e rezei para que ele não tivesse muita criatividade para uma conversa com estranhos.
Tive que tirar um dos fones e diminuir o volume. Respondi o necessário, mas não pude deixar de perguntar sobre qual prova o indivíduo estava falando. Ao contrário de mim, ele começou seu longo discurso, que por meio de algumas conjunções foi conectando a outros, outros e outros.
Desliguei o mp4 e guardei na mochila, afinal, não conseguiria mesmo ouvi-lo. Mas me arrependi subitamente, pois foi aí que ele realmente começou a construir seu monólogo. Vi-me sem saída e mesmo que por educação, entrei no assunto.
– Prova? Não. Nem sei de prova nenhuma. Você vai fazer? – já sabia que tinha feito uma pergunta idiota, mas não consegui pensar em nada com mais de três palavras para dizer.
– Não. Eu estudo em Barbacena e blábláblá.
A partir daí, eu não prestei atenção em uma palavra que foi dita. Ele era até bonitinho, e eu poderia até pensar em conversar com ele por interesse, mas eu realmente estava sem paciência, cansada, com sono, fome e TPM.
Sem contar que com dez minutos de uma conversa em que eu não lembro nem uma frase, ele me pede para lembrá-lo meia noite e meia, para ligar para a namorada. Então, meu único motivo sólido para deixá-lo falar foi por água abaixo. E foi quando eu percebi que já eram quinze pra uma da manhã e ele persistia na tentativa de construção de uma conversa.
Nessa hora eu pensei melhor e me arrependi de não tê-lo feito antes. Era tão simples fugir, bastava virar pro lado, e por menos que eu conseguisse dormir, era fácil fingir. Pelo menos pra mim, era! Foi o que eu fiz. Numa tentativa frustrante de me desvencilhar de um garoto carente e sem sono sentado ao meu lado. Mas ou ele fingiu não perceber, ou de fato não percebeu. Enfim... Continuou falando, falando e falando.
Talvez eu já possa escrever um livro sobre ele, tipo uma biografia. Um garoto de uns vinte e poucos anos, como diria a minha avó, “até bem apessoado” e com uma namorada muito ciumenta. Mora em Campo Grande – meus pêsames – mas estuda em Barbacena. Apesar de ser bem modesto, estuda na Escola da Aeronáutica, pois sempre sonhou em ser piloto, e ama fazer isso. A namorada mora no Rio e, por isso, volta todo final de semana para visitá-la. E apesar de ter alcançado seu sonho de criança, se arrepende de ter ido pra tão longe de casa, e tem uma pequena pretensão de voltar para seu estado, mesmo que seja para cursar o ensino superior na Marinha, já que a vida de piloto é muito nômade – palavras dele.
Um breve resumo das poucas coisas que consegui captar, mesmo não expressando opinião alguma sobre tal. E depois de umas duas horas me contando sobre sua longa vida, finalmente resolveu ir ao banheiro. Aproveitei essa hora para realmente dormir, já que tive um dia cheio e muito cansativo, assim, ele chegaria e eu estaria de fato dormindo.
Com a graça de Deus, consegui dormir e, pelo jeito, ele também. A cada solavanco mais agressivo do ônibus me batia uma fobia absurda de que ele me visse acordando e resolvesse abrir aquela matraca novamente. A minha sorte é que sou uma exímia atriz, e manipulei a situação para que ele não percebesse nada.
Ele desceu duas cidades antes de mim, e finalmente consegui terminar a viagem em paz. O que me deixou realmente frustrada foi chegar ao meu destino e passar por essa situação outra vez. Só que agora, era alguém que eu podia simplesmente falar um “cala a boca que eu quero dormir” daqueles bem sonoros. Era a minha irmã quem não parava de falar!

Por Bárbara e Paula Zdanowsky

2 comentários:

Dody Hari disse...

Sensacional, Bárbara (ou Paula)! Já passei por isso algumas vezes, mas Graças ao Pai, nunca numa viagem interqualquercoisa! Se de um bairro a outro já é desesperador, imagina entre longas distâncias!!! E o pior q nessa situação nem dá para mudar de lugar... Eu já me livrei de um desses usando a tática do celular. Finjo q tá vibrando e fico horas numa conversa imaginária. É arriscado, mas funciona.
Adorei seu texto! Bjks.

Bárbara Zdanowsky disse...

Pois é...Essa desculpa do celular é realmente muito boa, mas já aonteceu de o meu celular realmente TOCAR no meio da tal conversa imaginária... Não foi uma situação muito agradável!!
Ah!Obrigada pelo elogio!

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