Em minha mente, cheguei ao fim
de Colecionador de Lágrimas, meu primeiro romance. Debutando com esse novo
amor, tal qual um óbvio adolescente em totais descobertas, posso dizer que
estou ao passo da realização. Mas por que ela não me é completa? Talvez por ser
o primeiro.
Como um produto de dois anos de
trabalho eu estou muito realizado. Feliz mesmo. Não me lembro bem quando se deu
a derradeira escolha por palavras. Abdicar do desenho, deixar que o tracejado
fugisse de meus dedos e passar somente a desenhar palavras – no fundo, a
desenhar com palavras – não posso precisar quando me houve. Só posso dizer que
três fatores preponderantes: Ana Maria Machado, Chico Torres e Iron Maiden.
Se há uma obra relevante na
minha vida é Raul da Ferrugem Azul. Primeiro pelo aspecto imagético, um garoto
estar tomado e ter uma ferrugem que só é vista por ele e esta rima. A rima, o
som, a imagem, tudo era desenhar com palavras. Mas não saí substituindo o
desenho. Até os meus dezoito anos eu desenhada todo santo dia. Nada belo, serei
sincero, mas desenhava. Perfis humanos, o contorno das mãos, punhos fechados,
olhos a desenhar personalidade. Com o tempo foi a poesia, mas muito pouco,
diga-se de passagem, mas a houve. No Ensino Médio o gosto pela música e aí que
houve o pulo do gato. Passava o dia inteiro escutando música, estudando e
desenhando. Do universo Rock veio a primeira namorada; casava bem com o ritmo,
personificava o metal. Pelo meu gosto à Língua Inglesa, coisa dos meus sete
anos, isso lembro bem, passei a estudar letras. Mas o que eram aquelas capas do
Iron, o que eram? Aquele universo sombrio, questionador de letras pulsantes,
temáticas, exatas e enxutas? Foi demais para mim. Paixão eterna. Este, sim, o
primeiro amor.
Aí bati de frente com o talento
vivo, enorme. No Ensino Médio mesmo conheci esse cara: Chico Torres.
Introspectivo, mas com dedos soltos. Uma figura sombria, escondido atrás dos
cabelos. Mesmo gosto por Rock foi a aproximação. Um dia em sua casa ele fala, Escuta essa, era ele e uma guitarra. Aí
entendi o porquê de sua mão ser tão volumosa em um corpo tão magro. A sua forma
de tocar guitarra, a sua simbiose era perfeita.
Eram perfeitos. Não tive como não admirá-lo. Como o faço até hoje, mesmo
em nossa distância.
Neste momento em que me surge um
contraste. Tanto Ana Maria Machado, quanto Iron Maiden eram talentos distantes.
Na minha família os talentosos eram os que tinham um dom e por isso
inalcançáveis. Eu tinha apenas uma capacidade, uma bem leve. A amizade com
Chico foi fundamental para sacramentar uma convicção, que a perseverança é a
síntese de alguém que consegue. Além disso, montamos uma banda juntos, eu e
ele. O nome: Death Style. Era boa, por causa dele, deixe-se isso bem claro.
Porém, ali compúnhamos. Letras em inglês, uma ou outra em Português, e
escrevíamos o dia inteiro. Ele me mostrou outras dele, de uma banda antes.
Ótimas, “ Down in the dephts / of my angry soul / I can hear the Bells of
destruction”, digo, canto-as até hoje. Quase todas. Ali descobri palavras.
Dois outros fatores: conhecer
Wagner Martins e Rômulo. O primeiro pelo seu sarcasmo, uma acidez irremediável
e de uma inteligência fora de série. Nós todos estudávamos, Wagner produzia
raciocínio. Ele era muito para nós, a inteligência em forma física. Conhecê-lo foi um duplo agrado, primeiro por
me colocar no lugar. Era o cara que me zoava. Na época eu não entendia, hoje
sim. Também por me dizer um dia, Calixto,
você é um talento sem criatividade. Não entendo isso, um cara com talento, mas
sem criatividade. Nunca soube como agradecê-lo. Rômulo, pois me chamou para
Ace Comics. Eu desenhava, Chico e eu escrevíamos. Quem me conhece sabe da
importância e desimportância de Sarcantus.
Agora, o Colecionador de
Lágrimas.
Tê-lo prontinho, apenas
necessitando de digitação final é algo reconfortante. Já fiz aquela leitura de
corte, a de adaptação, a de enxerto, de novo corte. Falta digitar. Os papéis
estão amontoados. Preciso organizá-los, mas vê-lo, o livro, é tão bom. Não sei
qual vai ser a receptividade. Não sei. Se será boa, se serei execrado, tudo são
possibilidades. Não nego que estou em uma fase de agradar gregos e troianos.
Estarei mentindo se dissesse o contrário. Gostaria sim de que todos que o
lessem me dissessem gostar muito. De que cada um me viesse apontar um detalhe
de belo da obra. Sabe aquela história de escrever um texto que mudasse as
pessoas... pois bem, sei que não a consegui. Só modifiquei a mim mesmo. Tenho
um romance escrito. Não mais do que.
Junto-me ao Hall dos meus amigos
talentosos. Não posso, porém, exigir uma cadeira nesse panteão, nem sentar ao
lado deles. Posso estar na mesma sala, ver um Ulisses Mattos, um Wagner
Martins, um Chico Torres, vê-los em suas excelências, em seus esplendores. O
que falta mesmo, nesse momento, é coisa bem simples: continuar a coleção.
Escrever. Sinto-me completo assim. E ao mesmo tempo agradecido.
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