quarta-feira, 26 de março de 2014

Crônica de uma anunciação possível

Semana passada, em uma das escolas em que trabalho, pedi à coordenadora, "Vocês têm um daqueles cadernos rejeitados por alunos?", não queria comprar um caderno novo só para escrever algumas elucubrações e digressões. Há muito que me via ligado a escrever - rabiscar, para ser mais exato - alguns poemas. A coordenadora disse, "Sim, tem muitos". Em não mais do que uma semana escrevi dezoito poemas, todos eles seguindo uma mesma temática, linearizando possibilidades de um livro. No momento, não nego, ando tão ligado à escrita de romances que os poemas me parecem uma sequência de capítulos, mas sintetizados a tal ponto de um capítulo de um romance que há tempo queria pulular. Se nesse ritmo me mantiver, realizo um sonho particular de escrever uma história em um mês.
Porém, não vejo tal com bons olhos, ser prolífico pode me tornar prolixo. O meu problema se dá, principalmente, na leitura. Se estou a ler algo que me agrada muito, ele me move à escrita. Semana passada e esta terminei um romance - Pedro Páramo , de Juan Rulfo - e iniciei outro - Identidade, de Marco Simas. A delicadeza com a qual Rulfo fala sobre a morte - suas vertentes e possibilidades - e a maneira como Simas se declina diante de um assassino - sua foracidade e ao mesmo tempo desapego - mexeram comigo de uma maneira muito particular. E estou a escrever sobre ideias antigas, que ainda se movem com certo incômodo.
Desde garoto eu tive fissura pela morte. Pela maneira como demonstra a vida e como nos dá uma chance para o feliz em cada segundo que há de se viver. Contudo, o aspecto singelo do prosaísmo, do lúgubre é o que mais me toca. A morte é o palco da beleza da vida. E é sobre ela em particular que ando escrevendo, destilando ideias que permeavam um antigo personagem, que se tornou personalidade durante um bom tempo – um processo de internalização que me fez muito bem, durante algum tempo, como maneira de suporte ao cotidiano, mas que me levou a certos perigos. E no retorno a este os poemas linearizaram caminho. Alguns o conhecem por Sarcantus, e vou nomear esta sensação de encontro, de fundação, assim, de Sarcantus.

Pode ser que dê um samba legal, que eu consiga por demais escrever um livro de poesias – não como as belas poesias dos mestres, ainda me são distantes – não nego que sempre o desejei. Das várias formas de arte literária, a mais difícil é esta, por sua condensação, por seu peso, por sua fluidez de muito em tão pouco trecho de rio. Queria ter a força de um Leminski, de um Drummond, de um José Paulo Paes, Mario Chamie. Demorará muito para eu chegar até lá – seria muita pretensão afirmar que conseguirei, sei bem que não – no entanto, esta tentativa de seguir em um caderno com uma tentativa está me sendo redentor. Espero que os citados deuses da poesia possam conduzir minhas mãos para caminhos mais concretos. 

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