quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Relutância



A cada dia em que escreve, mais a vontade se perde. A cada dia em que se lê algo, mais tem certeza de que não pode escrever. É assim que ando a pensar nos vários momentos que vivo, lendo e desfrutando palavras por todos os cantos. A internet e principalmente os sítios pessoais se tornaram um mundo de self-service literário, com produções e reflexões das mais distintas, a ponto de apenas ficar a vontade de ler e não mais produzir, não mais se produzir, e deixar de ser, se rir.

Mesmo assim a caneta é desafiada, e a vejo sendo desafiada, como algum clichê midiático, ela ali, a mão como imagem, ela apenas esperando. A caneta é instrumento, a mão é apenas contato, o resto é espírito, e não mais. Mas basta entrar em um novo universo e ver o profundo de vários talentos, homens e mulheres esses que você julga que nunca irão te aceitar, pois nem capacidade de ser emergente há de ser seu título. E assim me lembro no espelho, um não mais do que três, o que pode ser, o que quer ser e aquele que não é, três em um, como aqui, eu, ele e o você, suprimidos e superados antes mesmo de serem apenas um.

Sabe, essa viagem é apenas a sensação do que se quer ser, mas que é sublimado com a qualidade daquilo que é lido dia após dia, e por todas essas pessoas que sabem se existir, mesmo não tendo um tostão sequer na carteira, mas que estão aí, na exposição do mundo literário, aquilo que você também quer e não pode. É o virtuosismo do porém, do grunido sutil do porém, que está bem ali no canto, esperando a cena certa para aparecer, no seu mundo pomposo, nada mais do que a superficialidade da sofisticação de um bom pensamento, você sempre tem um porém, ele te espreita e te espera. E aparece na hora certa.

Mas surge aquela vontade de não ser vencido e pego a caneta. Ou melhor, dou a chance de algo qualquer existir, exercitando diariamente a vertente de um texto – mesmo que às vezes não passe de uma linha – e julgo que sou capaz de escrever. Esse julgamento é sempre potencializado naquilo que vejo que já escreveram, que eu gostaria de ter escrito, mas que ali está bem melhor, magistralmente melhor, e prefiro ficar calado, permissivo, cabisbaixo. Sutilmente vencido. Sabe de si em si, tu não possuis mais a simplicidade, e por mais que de ti em ti tu te escreves, falta-te a veemência, a sutil veemência daqueles que têm certeza. Teu erro é muito pensar, seja visceral. E o que apenas corrói são lembranças, ou certezas, as mesmas que não possui. E agora de caneta em mãos, ela te olha, perguntando, E aí, não vai rolar aquela usadinha?, e você fica engasgado com sua total incapacidade de existir.

Me vêm as palavras do meu melhor amado, Antônio Torres, um dos homens que amo, mal sabe ele que o amo tanto assim, e que me disse na Universidade, Esquece essa filosofisse, deixe de filosofar, apenas use palavras.

Eu tento, mestre, mas rabiscar papel tá tão difícil.

Entrego a caneta e os pontos. E sei que o que eu deveria fazer era não escrever, mas luto, reluto,re-luto, há outro luto, ato de ter luto, ou lutância, pancadaria, saber não se aceitar é a melhor coisa que posso usar para escrever. É não aceitando a mesquinharia da minha existência que acho que consigo ser alguém. Escrever não é lutar pelos outros, e deixar de ser pequeno. Como eu gostaria de ser assim.

Um comentário:

Wallace da Silva disse...

Você é muito humilde. Parabéns, pois essa é uma bela virtude. rsrs

Faço minhas as suas palavras quando eu leio esse texto!

Comentário Rápido