terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O medo do óbvio

Constatei por que sou lento para escrever meus textos. Não as crônicas ou contos curtos, de não mais de uma página, mas os meus outros textos, os que me esmero para escrever, eu levo uma eternidade para conseguir colocar um parágrafo ou mais. Três textos em especial estão me dando essa dor de cabeça, que me incomoda muito, mas que têm um fundo em comum: o medo do óbvio, ou do clichê propriamente dito.
Engraçado afirmar isso, pois todo escritor que se preze tenta fugir do clichê. Eu também tento, mas caio num problema comum do pós-moderno, a ideia de que todos os temas já foram trabalhados. Por maior que seja a quantidade de assunto ou de reflexão que contemporaneidade consegue fornecer, passamos sim por uma limitação de temas que podem criar boas reflexões humanas. Não há limitação de formas de apresentação, porém se alguém quiser criar um texto sobre as relações entre duas pessoas, ele vai passar pela sensação de aquilo já ter sido escrito. Por exemplo, li há pouco tempo Pelo Fundo da Agulha, de Antônio Torres, em que mostra o fim de vida de Totonhim, aposentado, indo dormir. Como é de lindo dos textos de Antônio, há aquela supervalorização do instante, do momento, trabalhando em todas as consciências e velocidades, mas ali havia a violência das grandes cidades, as falsas relações de trabalho, pois como chefe aposentado, não havia mais aquela apoteose pela saída, mas sim pela chegada do novo chefe, e a morte da esposa em um assalto na zona sul carioca. Temas menores ao livro dele, que retrata o desmerecimento após a saída do trabalho, seu tema maior nesse livro, mas que de uma maneira ou de outra já foram abordados em outros livros. Não desmerecendo Antônio, fera que é por sua excelência, pois conseguiu escrever esse livro sem soar clichê. Por isso é o escritor respeitado que é.
Li também Olhai os lírios do campo, do Veríssimo Pai e ali há a relação de mediocridade de um menino pobre, que consegue vencer na vida após ter se unido a ricos e se vendido para os valores deles. Quem não leu algo que seja parecido? Não vou negar, com a perspicácia de Érico Veríssimo não, pois seu texto se dota de sutilezas de percepção própria do personagem, algo que é característico de autores ingleses, um outro valor do fluxo de consciência. Li também O caçador de Pipas, do Hosseini, e por uma ação metalinguística, ele próprio demonstra a questão dos clichês em seu livro, mas trabalha de maneira destilada e digestiva esses clichês que faz com que o livro seja fluente, mas não vou negar, genial não é, é bom.
Agora, há três anos estou escrevendo Epopeia Insignificante, este é o meu terceiro medo. História de um menino do interior que encontrou um peixe seco no leito de um rio, mas que o peixe está seco por não ter nada por dentro. Esse peixe no final é o resumo do próprio personagem, por ter se vendido. Sim, o meu clichê. Mas como trabalhar a ideia de que todos nós, homens contemporâneos, nos vendemos barato e sufocamos nossa existência em nome de nossa ganância? O meu personagem não passa por problemas matrimoniais (desse clichê eu escapei), mas trabalhar o senso de verdade que há em nossa existência é que está sendo o meu calo. Já pensei de várias maneiras como poderia fazê-lo sem soar velho ou redundante. Poderia usar as sutilezas dos discursos diretos, do tratamento silencioso das ações entre as pessoas, mas achei que não seria o melhor para esse texto. Primeiro, pois o declaro como Epopeia, mesmo sem ser um poema. No título há o termo Insignificante, que já dá o tom de crítica. Resolvi então fazer o personagem, e somente ele, em autodeclaração perceptiva, mostrar essa insignificância própria, amesquinhar a própria conquista, a vitória que obteve, e assim mesmo se desmerecer. Esse desmerecimento é tanto, que nem mesmo o próprio nome ele irá declarar ao longo do texto e tudo ficará num jogo de substantivos compostos formado por um adjetivo que declara sua percepção sobre si, como se ironizasse. Estou desde 2007 nessa história e para escrevê-la tem sido um suplício. Por isso eu coloquei o que já escrevi aqui no Pictorescos para saber se o caminho que estou seguindo está na dose certa.
Mas como disse, Epopeia é meu terceiro medo. Os outros dois: Onde nasce o mundo e Eu o suicidei. Dois outros textos, que declaradamente para mim serão romances (epopeia eu estou deixando caminhar por pernas próprias) também são dores de cabeça. Primeiro pelo detalhe do contato com clichês (que são frutos da minha ignorância em trabalhar linguagem temática) e pela riqueza que quero dar (ignoto uma vez mais que sou). Sei que levarão tempo, mas que vou encará-los. Não darei detalhes, pois quero resguardar as obras. Estou apenas fornecendo os títulos, tendo em vista que não os mudarei por motivo de ratificação de pertencimento a mim. Medo do que a internet pode gerar ao colocar as coisas no ar. Nos dois textos-medo eu também vou tocar nos clichês, haja vista me quererem, mas vou fugir deles na maneira como irei escrever o texto, na forma como vou destilar minha gramática, meu idioleto, o material que considero ser o estilete ou o formão capaz de moldar a escultura. E como escultura, firme que será, sei que depois da firmeza vem o medo da crítica. Alguns a abstraem, eu sou daqueles que não. Mas se eu ficar apenas na metafísica da forma do texto, na escultura que ela pode ser, tenho medo do interno ser oco, por ser bronze ou prata externa. Medo que me consome, que me leva a respiração.
Passei a mostrar todos os meus textos para minha esposa, que não só esposa-namorada, me consegue ser mais do que esposa-companheira, é também resplendor. Tudo que escrevo, eu a mostro, e hoje, 24 de fevereiro, ela me chegou, O texto tá bom, muito bom, mas a gente precisa conversar esse trecho aqui... Juro que senti uma palpitaçãozinha e uma tremedeira. Ô diacho!

5 comentários:

priscila b. disse...

Então, eu não ligo para clichês. Não mesmo. Eu acho que a idéia é importante, mas não é a essência ou o conteúdo. O que importa mesmo é como as palavras serão escritas, quão profundamente os pensamentos serão abordados, os sentidos, a percepção. Isso tudo é o que vale para mim.

Um exemplo disso é o livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe. O tema é o mais clichê do mundo, mas o livro é maravilhosamente bem escrito. Amo.

Entende?

Beijos, Calixto.

Unknown disse...

No caso de Werther, foi Goethe quem trouxe à tona esse teor de vida perante a nulidade, no caso dele, foi ele quem criou o clichê, e nós que viemos depois dele? Entendeu o problema?

beijinhus

priscila b. disse...

Claro que não. O tema abordado já era um clichê há anos.

O que quero dizer é que não importa se é clichê ou não! A forma de ser abordado, a nossa interpretação e visão fará a escrita diferente. A cultura é recriada, mesmo que seja baseada em um mesmo ponto.

priscila b. disse...

farão*

Unknown disse...

Essa na verdade sempre foi minha preocupação. Nem tanto o clichê, mas ao mesmo tempo o clichê em si. É como andar engatinhado em um campo minado, tomando cuidado no extremo de cada passo.

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