sexta-feira, 22 de maio de 2009

O mundo nos faz fechar os olhos

Sempre me questionei por que os adultos são tão sérios? Tinha me prometido, ainda criança, que sempre manteria o espírito de criança durante a minha adolescência e minha vida adulta, não me fechando, mas ainda deixar resplandecer uma gota da minha inocência, daquela mais gostosa inocência que nos confere um ar de humildade. Acho que nessa crença é que encontro o meu erro. Viver como um homem de vinte e cinco anos não me dá outra arma a não ser analista. Pesquisador dos defeitos dos outros e das armadilhas que podem pensar contra mim. Suspeitar da risada mais alta dada por um alguém que conheço somente no ambiente de trabalho. Encarar de forma velada as ações dos outros. Saber que nos meus passos há câmeras. E que no esporro do meu chefe há a única visão dos meus sapatos.
É estranho não confiar na palavra da minha enamorada. Suspeitar que ela meramente não foi pro shopping aquele dia. Não deixar tão clara as minhas intenções de futuro com uma pessoa que toma cerveja comigo há tempos. Criar razões próprias baseadas em noções próprias, trancafiadas em visões próprias e que não são bem-vindas para muitas pessoas. Pensar que sou diferente num mar de diferentes. Olhar que todos que vestem o mesmo uniforme estão querendo mais destaque do que os outros que também vestem o mesmo uniforme há anos. Que há experiência comprovada no novo currículo mais sincero. Que o gerente não cresceu somente por causa de sua lábia de vendedor. Que meu cartão de crédito não é troféu social. Que meu carro não é reflexo da minha qualidade profissional. Que minha barba por fazer só signifique tristeza. É estranho suspeitar dos maltrapilhos, enquanto que minha conta é limpa por engravatados brasilienses. É horrível manter uma conta escondida para que minha esposa não me sacaneie. É angustiante guardar dinheiro para um apartamento de sonhos limitados. É vulgar querer saber o que pensa de mim. É um tanto quanto desesperador sair pra trabalhar sem saber se a carteira ainda está assinada. É entristecedor querer jogar playstation e assinar as papeladas. Enquanto que é fácil ler o jornal ao ver a fila de desempregados cruzando a esquina. Ou o sujismundo barbudo que dorme bêbado debaixo da marquise de um boteco falido por causa de uma pastelaria chinesa. Não anda tão fácil ficar caminhando para se chegar ao trabalho e ver crianças fingindo tristeza nas esquinas de picadeiros malabaristas. Enquanto que é tão barato manter um seguro de automóvel e colocar potentes vidros fumê. Um real eu não tenho, nenhum trocadinho, desculpa. Ver gente jogando água no meu vidro e suplicando dez centavos. Desculpa, só tenho uma nota de dez. uma nota de Dez Culpas.
É não crer que crer em algo é besteira. Que manter uma crença é irracionalidade. Que dizer que crer é bitolar-se. Que se crer em um outro hoje em dia é burrice. Que não haja mais profundidade nas coisas. Que o meu mais novo relacionamento tem data de validade curta. Que meus amigos estão meus amigos, pois meu crédito no mercado de trabalho é mais amplo que os deles. Que faculdade, algum dia facilitou alguma coisa. Hoje em dia, faculdade só dificulta a aorta. Que minhas coronarianas nunca irão entupir. Que essa dor aguda no peito seja só gases. E que muita das coisas que escrevi sejam meramente besteiras.

Não espero o dia em que, felizmente, terei netos, pois sei que o meu mundo um dia, algum dia, será simples e com humildade. Também espero não ser privado dessa realidade pela minha estranha vontade de me encontrar com uma bala perdida. Espero ter escrito a maior das baboseiras, pois, ainda, eu só tenho vinte e cinco anos.
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- Meu amor, posso voltar a dormir de novo e zerar Sonic
(texto publicado originalmente em Bagatelas - revista de contos)

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