domingo, 26 de abril de 2009
Nosso Sangue
Estou notadamente acima do peso. Para perdê-lo preciso vencer a insistente preguiça. Na teoria é só agir, mas só quem sabe o que é desânimo, sabe. [risos] Preguiça, ócio, nos dá a estranha sensação de impotência e uma morbidez que parece se alimentar dela própria, e só cresce, incomoda mas tão somente cresce. E a impotência assola em razão do crescimento.
Há dois dias assisti a um filme chamado Diamante de Sangue. Com um ótimas atuações, roteiro melancólico e envolvente, um ótimo filme. Ele trata do tráfico de diamantes na África, envolvendo a ação de grupos guerrilheiros no país, que usam o trabalho forçado de habitantes de aldeias que eles invadem no garimpo de diamantes para os venderem ao mercado ilegal, sobre o pretexto de estarem libertando o país. As atrocidades cometidas pelos guerrilheiros são de uma barbárie e repúgno aterrorizantes, nem tanto pelo mostrado no filme, mas pelo que você [pelo menos eu] imagina o que realmente deve acontecer nessas minas. E como um dos personagens mesmo ressalta: "que os brancos matem pelo nosso diamante, é até compreensível, mas pelo amor de Deus, como nosso próprio povo pode fazer isso?!"
Entretanto uma cena me chamou atenção e quase me fez não prestar mais atenção no filme todo. O personagem de Leonardo di Caprio, Danny Archer se encontra com Maddy Bowen, a personagem de Jennifer Connelly, num bar; na conversa Archer, flertando com Maddy, tenta descobrir a profissão da bela moça, nesse meio solta uma pergunta: "Você é uma daquelas missionária? Se for vai ficar só tempo o suficiente para ver que não está ajudando."
Isso me transportou a uma aula de história na qual o professor tratava da questão Africana, dizendo que, desde a Partilha da África, evento ocorrido durante o Imperialismo europeu, esse continente vem sofrendo inúmeras guerras civis entre etnias rivais. E essas guerras se devem tão somente à própria ação européia no continente, que ao determinar os limites territoriais dos países, colocaram propositalmente [para viabilizar o comércio de armas] etnias rivais como fazendo parte de um mesmo Estado. Isso, claro, sem consultar os habitantes. Imagine se a rivalidade entre Brasil e Argentina fosse além do futebol e que nós realmente nos odiassemos, caso de se um argentino e um brasileiro se encontrassem numa rua, fosse motivo para pragejos e até agressões físicas. Agora imagine se de repente, os países europeus decidissem unir os dois territórios e chamasse o "novo país" de Brasil, ou de Argentina. Seria motivo de conflitos? Foi mais ou menos o que fizeram na África.
E quanto a ação de grupos humanitários, por maior boa vontade que tenham, a dura realidade é que uma mudança substancial só ocorrerá quando os que fizeram a besteira tomarem uma atitude a favor dos prejudicados. Até lá, por mais que eles só fiquem "tempo suficiente para ver que não estão ajudando" o trabalho de ONGs, voluntários com o desejo sincero de ajudar as pessoas lá é o que podemos fazer. E junto com o trabalho e válido a denúncia à omissão dos ditos líderes mundiais. Para atentá-los que o sangue não pode comprar uma pedra transparente e brilhosa que vai parar num fútil pescoço, dedo ou pulso. Sim, fútil! Me ira a idéia que não pesa a consciência nem um pouco saber que pessoas se submetem a condições subumanas, morrem, tem seus filhos recrutados para matar o próprio povo, tudo para que usemos um adereço dispensável.
Uma adorinha pode não fazer verão mesmo, mas será que duas fazem? mas um bando de andorinhas começa com duas andorinhas! Estou começando a ver esse tipo de idéia como "o que eles querem que a gente pense".
Quanto a mim, esse sentimento de angústia, tudo que escrevi veio como um relâmpago em minha mente e juntado ao sedentarismo, me abateu a vizualização de mim mesmo como inútil, impotente, totalmente incapaz de fazer algo que realmente faça diferença. Então veio um clichê inegável: "quer mudar o mundo? mude a sim mesmo"
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Hoje comecei a pedalar. 25 minutos.
A última profundidade do nunca
Ela estava em paz, bem consigo mesma. Nada mais poderia lhe despejar uma gota de tristeza. Estava diante do vidro mais transparente do mundo, nem parecia que tinha vidro ali. Ria o último riso de boca risonha. O mundo agora é outro. Mais justo, um pouco mais que tudo. Começava a entender que agora as coisas serão diferentes. Irreversíveis. Seria um mundo de sombras novas, sombras brancas, como fumaça de café quente. Sentia isso na pele, que tocava vento leve, só sentia, entendia, porém, tudo, na desrazão do pensamento. Era isso que estava voando por ali. O mundo agora era menos desacreditável. E por menos que pareça, seus olhos possuem uma nova capacidade de enxergar.
Mas ela não podia piscar. Via como tudo era medonho ao cercear a entrada de luz em suas pupilas. Era castiguento fechar olhos e ver tanto horror, ver tanta gente sofrendo. E era isso que estava bem ali, no escuro dos olhos, sofrimento de gente grande. Não parecia ser coisa boa, mas pela paz que sentia, pelo silêncio que ouvia, por toda boa solidão que a acomodava, resolveu encarar escuridão de tristeza. E firme fechou os olhos.
Escutou os vidros quebrando. Era gente chorando lá no longe, abraçada. Era lágrima de gota de rio, em beirada de degrau. Vinha em enxurrada, gota que desce suada na pressão de olho que não quer ver. Reflexo de cachoeira de alma, brilha do brilho, o brio da saudade. Esmerando pensamento retinto, era saudade que toda aquela gente chorava. Parecia uma desgraça grande, das fabulosas, para tanta gente chorar junta em canto de casa fechado. E era a maior de todas. Eram todos de preto, e ela estava ali, de branco. E se viu como única menina que não chorava. Presa no redemoínho da luz, cárcere do vidro que não fere o fausto tato daquelas pessoas. Era a única que ria, risada de face boba, como se sentisse uma sonolência gostosa. Escutou os vidros se quebrarem ainda mais. Entendia agora o silêncio pacífico. Era sua carne afrouxada de divindade deitada no meio. Era sua pessoa trazida para o divino mais próximo. Era um fim. E logo se viu, de novo, lá, no vidro, abrindo os olhos. Viu se vindo visto.
E lembrou, então, dos doces carinhos de sua irmã. Mais nova três auroras primeiras, que puxava docemente seus cabelos, fiando detalhe por detalhe, desenhando admiração em carinho. Lembrou dos dedos do menino, que jurava ser o último, no início da vida. Lembrou da ranhetices do pai – quem diria –, oleiro de vaso grande, artesão de fina arte, como ganhava sustento de todos. E a mãe, mulher de palavras fortes, mas tão sinceras e tão gostosas. E lembrou que do rio levava sabor salgado, sabor de vida que se desfoi. Abriu os olhos, a mesma paz sonolenta. Mas nos olhos, as lágrimas que cobriram o vidro tão transparente desenharam os rostos das mais inteiras saudades. E seria isso, somente, redução. Não mais os teria. Eram agora desenhos de lágrima em cobertor de vidro. Sentiu o vento se apertar, era hora de ir mesmo.
Das duas elas próprias que surgiram, deram-se as mãos. Carrocearam o céu inteiro, pulando de pulo em pulo, meninas de almas puras. Agora eram as próprias companheiras, solitárias meninas de uma só vida. No final, se viram e se abraçaram, somando-se. Elas não mais se veriam, mas uma bem sabia da outra. Da soma delas, a que sobra, sabe quem vai, sabe quem fica. E assim, driblam o fim nas lágrimas que corrompem a fórmica de qualquer rosto, aurora desfacelada, mas puro brilho de amor longíncuo.
sábado, 25 de abril de 2009
Um dia a mais no nosso inverno
O peito se reconforta em calmaria. Era o sopro juvenil do inverno chegando. Como princípio, é apenas um vento doce, que faz com que o homem a si se abrace. Porém, era apenas o princípio que de lhe é novo momento, e não somente tanto a ti, havia o reconforto do novo abraço. Passou os últimos cinco anos sofrendo do mesmo ataque cardíaco na incerteza da inanição corpórea. E por mais que os remédios de Pirassununga o reconfortassem por uma noite ou outra, minguando em braços pagos de branda aurora, nunca um homem se completa quando não se percebe na pungência do olhar de uma alguém.
É o que se precisa, na paz do outro, a própria paz. Saber que o sorriso que se solta é sorriso só seu, e se é sim só na sua síntese de um, o mais certo de todos, é agora o mundo que brilha na única capacidade de existir. É assim que se pensa quando se pensa estar no pensamento ali. É assim, na sua frente, a graciosidade do respeito do sentimento. Era ela, rindo, abraçando-me para fugir do inverno que se chegava.
Para cada um, o verdadeiro passo tem um centímetro motivado pela vitória, mas a vitória, como troféu na força de um novo homem, tem um quê de abstração que talvez muitos não entendam. É aqui, porém, que muitos entram não com a ponta do pé, mas com a sola do próprio sapato, tentando minguar a raiz do que se faz presente na plantação abstrata da vitória. Poucos gostam de ver um feliz sorrindo, e por isso, na capacidade intelectual humana, razão inversa da própria felicidade, tentam minar o que se constrói na beleza outrora. Porém, lhe digo aqui, nada fará minguar a plantação que se surge em nossos campos. É inverno, sim, época de deixar o campo descansar, mas é hora de estruturar a plantação. E ela já estar por vir, aí; sei que sente um tanto a força da necessidade de arar a terra.
Agora, me pergunto, qual é o quê do escritor que não sofre? Qual é o quê do leitor que não se vê no texto? É inverno, ponto, momento de catar algumas folhas que caem, cuidar de algumas plantas que secam, cuidar do espírito que se acalma. É inverno, pronto, mesmo no brilho do sol que range as nuvens frias lá no céu. E não mais do que Sol, aurora, fica o brilho do raciocínio. Mesmo frio nas nuvens, é no Sol-aurora que se permeia a intensa qualidade do próprio brilho. E se se passou o tempo do calor, é no intuito do raio dos seus olhos que encontrarei a divina aurora. E não foi mais durante do que cinco minutos que se encontrou o excesso da raiva nessa sua certeza. É a linda força que Vi, capacidade única que fez o escritor fugir dos textos tristes e escrever algo reconfortante. É inverno, sei, mas com o mais polvoroso brilho que o mundo pôde fornecer.
domingo, 12 de abril de 2009
Buarque e Nascimento
Será possível fazer uma música de amor, mas não qualquer música, uma música que o expresse plenamente e com as mais belas definições... e isso, sem mencionar a palavra amor?
com vocês: O que será (À flor da pele), sem dúvida ou medo de estar exagerando, uma das mais belas músicas que ouvi e irei ouvir. Letra, Melodia, Harmonia... não há o que deixe a desejar.
PS: vejam o vídeo até o final, tio Milton nos dá, digamos uma surpresa vocal... rs
sábado, 11 de abril de 2009
Lista de Editoras Independentes do Brasil
Até a próxima
Márcio Calixto
MojoBooks, Editora Virtual
http://mojobooks.virgula.uol.com.br/index.php
Editora que se uniu há pouco tempo ao site da UOL, com publicações bem instigantes.
Os Vira Lata, Editora
www.osviralata.com.br.
Editora Independente de Branco Leone, um cara perspicaz e de opinião forte. Vale a pena dar uma boa olhada.
Corifeu Editora
www.editoracorifeu.com.br
Também de literatura independente, trabalha com livro por demanda, e não por mínimo de tiragem, o que facilita a vida do escritor independente.
Editora Cedro
www.editoracedro.com.br
Editora da Igreja Presbiteriana , na Av. Liberdade, 655. Tel.: (11)3277-7166/ (11)3208-6388.
Editora Aleph
http://www.alephnet.com.br
Voltada para áreas como: Literatura, psicologia, esporte, interesse geral etc. Porém, é mais especializada em Turismo como estudos econômicos, sociológicos e políticos. Endereço da editora: Rua Dr. Luiz Migliano, 1110 - conj. 301 - CEP: 05711-001 - São Paulo - SP - Brasil. Tels.: (11)3743-3202 / (11)3773-6226. Fax: 3743-3263. Aceitam-se originais
Editora Alfa-Omega
http://www.alfaomega.com.br
Editora especializada em temática acadêmica, como história, sociologia, política, filosofia, economia, clássicos do marxismo e pluralismo jurídico. Apresenta resumo de obras publicadas dos autores. Obras escolhidas de Lênin, Mao Tse Tung, Marx e Engels etc. Apresenta mais de 523 títulos publicados. E dispõe de uma livraria virtual: O Disque Livros: http://www.disquelivros.com.br Editora Alfa Omega Ltda - R: Lisboa, 489 - Pinheiros - São Paulo/SP - CEP: 05413-000. Tel.: 3062 6400.
Arte Pau-Brasil - Livraria e Editora
http://www.paubrasil.com.br/
Voltada para publicações nacionais. Particularmente o melhor da literatura
Annablume, Editora
http://www.annablume.com.br
A Annablume é uma editora voltada às publicações acadêmicas. A editora apresenta a orientação de como publicar o teu manuscrito. E o site apresenta as publicações feitas, divididas em extensas categorias, além de várias outros serviços, como a opção de fazer o download de catálogos de obras por título, autor ou assunto. Igualmente outras informações estão disponíveis.
Boitempo Editorial
http://www.boitempo.com
Editora voltada para publicações em literaturas (os clássicos) e Ciências Humanas com boa qualidade. O seu catálogo no site é bastante detalhado.
Callis Editora
http://www.callis.com.br
Rua Oscar Freire, 379, 6ºandar cj. 61 - Cerqueira César - São Paulo - SP - CEP: 01426-001. Tel.: 3068-5600. Fax: 3088-3133
Publicações em diversas áreas. Mas apresenta, no seu catálogo, a preocupação com a faixa etária em que a leitura de cada obra possa ser inserida. As categorias são divididas em: Adulto, Infantil, Vitória Régia e Espanhol. O visual da página é levemente agradável, o que sugere, talvez, a preferência em publicar obras “leves”, de cunho mais pedagógico, o que de fato confere nos títulos apresentados: São mais para leituras agradáveis. A editora, ao que tudo indica, não publica obras de peso acadêmico.
Companhia das Letras
http://www.companhiadasletras.com.br/ ou http://www.ciadasletras.com.br/
Publica livros em diversas áreas: Artes, administração, antropologia, biografias, aventuras e viagens, ciências políticas, história, cinema, várias coleções, críticas e teorias literárias, etc. O que marca essa editora é a qualidade e a estética de cada obra publicada. No site, o leitor tem amplo recurso de pesquisa das obras, como também de dúvidas facilmente esclarecidas. A editora aceita manuscritos do autor, trabalhos de free-lancers e até ilustradores e capistas. Para tanto, é necessário consultar o critério apresentado para cada categoria.
Claraluz, Editora
http://www.editoraclaraluz.com.br/
Voltada para as áreas de Ciências Humanas, lingüística, comunicação, ensino de línguas em espanhol e em português, entre outras coisas. O site apresenta: Lançamentos, eventos,onde encontrar e fale conosco. A editora fica em São Carlos: Rua Rafael de Abreu Sampaio Vidal, 1217 - CEP: 13560-390. Tel.: (16) 3374-8332. E-mail para contato: editoraclaraluz@uol.com.br.
Cortez Editora
http://www.cortezeditora.com.br
Rua Bartira, 317 - Perdizes - CEP: 05009-000 - São Paulo - SP. Tel.: 3864-0111. Fax: 3864-4290. E-mail: cortez@cortezeditora.com.br. Voltada para a educação, ciências ambientais, serviço social, lingüística, sociologia, psicologia, fonoaudiologia e literaturas infanto-juvenis (novo selo lançado em 2004).
Edições Inteligentes
http://www.ieditora.com.br
info@edicoes.com.br
Editora voltada a publicações de autores independentes. Publica obras tanto em formato impresso como eletrônico. Apresenta os detalhes dos serviços editoriais, colocando o futuro escritor a par de todo o processo: Edição, impressão, distribuição, lançamento e divulgação. A editora fica no Conjunto Nacional - Av. Paulista, 2073, Horsa 1, conj. 222 - CEP: 01311-3000. Tel.: 3179-0081.
Editoras on Line
http://www.editoras.com
Apresenta um novo serviço: Seção de classificados, onde qualquer pessoa pode anunciar gratuitamente a compra, venda e troca de publicações. Links para editoras, jornais, revistas, bibliotecas nacionais e internacionais, universidades, etc.
Lilivros
http://www.lilivros.com.br/
Rua Taquara Branca, 209 - Carandirú - CEP: 02069-000. Tel.: 6222-3998/ 4000. Editora e gráfica, especializada, entre outras coisas, em publicações de minilivros (ou micro), como a Carta de Pero Vaz Caminha, o Dicionário de nomes próprios etc.
Limiar, Editora
http://www.editoralimiar.com.br
É especializada em publicações independentes, além de trabalhos gráficos. Fica no seguinte endereço: Rua Teodoro Sampaio, 1522, Pinheiros - Jardim América - CEP 05406-100 - São Paulo - SP. Tel.: 3813-0309. O site da editora dispõe de portfolios dos trabalhos, entre as publicações feitas e projetos editoriais gráficos.
Pod Editora
http://www.podeditora.com.br/
Uma das poucas editoras independentes do Rio de Janeiro. Na internet encontrei muitas de São Paulo. Essa é do Rio, pelo que sei. POD quer dizer Print on Demand. No site, eles fornecem uma boa explicação ecológica para esse tipo de impressão. Uma boa escolha.
Lulu Editora
http://www.lulu.com/
Esta é mais uma editora independente, mas não restrita a livros. Você pode publicar o que quiser, de cds a filmes. Pareceu-me uma ótima escolha para que quer as obras bem divulgadas mundo afora. O site paga direitos autorais a partir da demanda física. O problema: só se compra com cartão de crédito internacional. Faturamento da Editora: US$16 milhões por mês.
Marcelo Judeu!!!
Um beijo a todos
Márcio Calixto
Nada é eterno.
Neste universo, ser eterno não é natural. O universo é, em sua essência, caótico. A entropia garante que nada que dele nasça permaneça eternamente, ela levará tudo de volta ao seu ciclo de vida e morte. O próprio universo sabe que, segundo suas próprias leis termodinâmicas, nem mesmo ele escapará deste destino, nem mesmo ele é eterno.
Um dia, ao entardecer de um tempo, o que por milênios chamou-se de outono, trouxe consigo até as muralhas da Cidade uma tempestade. Não era, como de costume, cinza e cheia d’água. A Cidade acostumou-se a ver chegar do norte, a cada ano, o prenúncio acinzentado que trazia alguma vida aos campos secos da eterna estiagem. Mas esta, ao que tudo indicava, não trazia vida.
A tempestade atravessou com lentidão o deserto árido, seco e sem vida; que, um dia, num tempo em que somente a Cidade, vagamente, se lembrava, fora a maior e mais exuberante das florestas. Os habitantes da Cidade, desde os mais jovens até os mais velhos, não se lembravam desta época. Nada sabiam sobre os belos animais que ali viveram, sobre as majestosas árvores que formavam um oceano verde, nem sobre como e porquê as coisas mudaram. Os habitantes da Cidade somente sabiam o que necessitavam saber para viver. Tudo o mais não era necessário e era deixado para trás. O que um dia possuiu registro se perdera para sempre havia muito tempo.
Viviam como, há milhões de anos, seus ancestrais viveram. Comendo o que, precariamente, plantavam; dormindo onde lhes fosse acolhedor e seguro. Se um dia tais seres tiveram nome, este havia sido esquecido há muito tempo. Se um dia a Cidade tivera um nome, os que se lembravam já não existiam há mais tempo.
Para dentro das muralhas da Cidade quase tudo estava em ruínas há não menos tempo que muitos séculos. Mas ainda assim, as ruínas lembravam a qualquer viajante que por ali passasse que num tempo muito longínquo, um povo teve seu apogeu, e este foi grandioso.
O viajante que passasse naquela distante planície árida, sob a luz de um gigantesco sol vermelho, jamais poderia adivinhar que aquela pequena população, que ali plantava sua subsistência, eram os últimos remanescentes da espécie que, há alguns bilhões de anos, se espalhou e estendeu seu domínio para além das estrelas vistas naquela abóbada celeste. Hoje, numa data que até mesmo o tempo esqueceu; aqui, no primeiro mundo em que habitaram, esta espécie se resume a uma pequena população de seres atarracados, troncudos, de pele morena, quase escura, recoberta por muitos pêlos, cujo andar além de incerto e duvidoso, é curvo e apressado; parecendo sempre estarem à sombra do medo dos anos passados.
A tempestade chegava como alguém que anuncia um fim. Chegava carregada de energia soprando lufadas de ventos fortes, fortes como a Cidade fora em sua aurora. Chegava trazendo areia, cobrindo com poeira o que não poderia mais se limpar, o que não poderia mais se consertar, o que não poderia mais existir.
Um dia, durante a plenitude do poder que a Cidade tivera, seus construtores zombaram de si próprios, pois nunca existiu estrutura que não necessitasse de reparos, até criarem a Cidade. Obra-prima do expoente máximo da cultura de uma civilização, demonstração máxima de seu poder e glória, a Cidade manter-se-ia sozinha, concertar-se-ia e limparia. Seus filhos não precisariam se preocupar com nada, ela provê-los-ia de tudo.
E por muito tempo foi assim. A mais bela e mais perfeita cidade já construída, cercada da única e mais exuberante das florestas que existiram, para um tempo em que seus habitantes já sabiam viver juntos, somente alguns poucos e inexpressíveis se recusaram ao milagre tecnológico da clausura, indo viver como seus ancestrais. Mas o tempo os faria redimir-se e ainda voltariam sobre seus passos.
Passaram-se os anos, chegaram os milênios, a exuberante floresta acumulou sua entropia até onde pôde, cedendo lugar com rapidez ao deserto, e a Cidade e seus filhos, permaneceram lá, impassíveis, vendo tudo à sua volta ruir, com o desgaste natural que o tempo traz para tudo, vivo ou não.
Mas um dia chegou em que este mundo não mais poderia abrigar seus filhos. Este tempo foi esperado com pesar por todos da Cidade, os preparativos para este dia já haviam sido feitos há muito, quase desde a fundação da Cidade, e eles partiram, como formigas educadas andando devagar, sem nenhuma pressa para seu destino final, as estrelas mais longínquas do céu, onde seus pares os esperavam há tanto tempo quanto possível. Quando chegada a hora, partiram, deixando para trás a terra exaurida e cansada, e a Cidade, seu lar durante muitas gerações, agora quase vazia. Pois os párias, aqueles que desprezaram a sociedade utópica desde o início, passaram a viver naquela imensa casa. Os poucos inexpressíveis ficaram a lhe fazer companhia ante a passagem dos séculos, a profecia do tempo se cumpriu mais uma vez.
O que a Cidade abriga agora não se parece mais há muito tempo com os seres geniais que a construíram, ela sabia disso, mas mesmo assim, mesmo agora quando não podia mais lhes prover quase nada, ela era seu único e inestimável abrigo.
Um estalo metálico seguido de um estrondo surdo e abafado ecoou forte pelos corredores desertos da Cidade. Em algum lugar escuro, abrigados do vento e da chuva, seus últimos habitantes se aconchegavam uns aos outros para esquentar-se mutuamente. Um dos pequeninos tremeu com medo do desconhecido ao ouvir os lamentos da muralha agonizando lá fora. A muralha que tentava conter a tempestade estava finalmente cedendo. Os ventos fortes se chocavam violentamente na velha parede que guardava a última obra dos seres que desapareceram há muito.
Nos arquivos existentes nas antigas máquinas, muita informação foi perdida, porém, parte substancial da história da cidade e de seus antigos habitantes ainda existiam nos corredores de máquinas frias e sem vida abaixo da cidade.
Em algum lugar dentro daqueles arquivos, a Cidade se lembrava, existia um fragmento de informação antiga que, estranhamente, a cidade gostava de lembrar. O momento exato de sua abertura aos habitantes.
- Durará eternamente! – disseram alguns. – Existira por milhares de anos! – disseram outros, mas todos, simplesmente todos, estavam assombrados e maravilhados com sua magnitude. Rostos desfigurados e esquecidos pelo tempo; tempo que aprendeu a trair até mesmo a mais maravilhosa e inteligente das máquinas jamais construídas. Ela não se ressentia de nada, sabia até o significado da palavra, mas não o seu sentido. Porém, estranhamente, se orgulhava de ter abrigado e provido de vida até mesmo os que foram esquecidos pelos construtores.
O lado norte da muralha cedeu. Um estrondo foi ouvido no canto sul mais extremo da Cidade. A muralha norte despencou com rugidos que mais se assemelhavam a urros de dor de um moribundo. Em sua queda, levou consigo algumas das gigantes estruturas que desafiavam os céus durante muitos milênios. Uma das torres gigantes despencou levando outras em sua vizinhança. Uma galeria subterrânea que abrigava diversas máquinas cedeu ao impacto de toneladas de metal e desabou.
O vento forte e devastador da tempestade varria a débil cultura de vegetais que sustentava a pouca vida existente na cidade. A areia do deserto tomava conta de tudo sentindo a vitória iminente de tomar de volta o que lhe fora usurpado a milhares de anos.
Do outro lado da cidade, as maiores torres que se elevavam para o céu eram assoladas pela fúria incontrolável de trovões tão poderosos que o metal onde tocavam reluzia iluminando a escuridão. Pedaços incandescentes despencavam de alturas impossíveis destruindo tudo ao chegar no chão.
A torre mais alta da Cidade finalmente cedeu, ruiu e despencou sobre si mesma, levando quilômetros a sua volta, numa destrutiva reação em cadeia.
O corredor central da Cidade, que abrigava as máquinas que um dia foram chamadas simplesmente de cérebros desabou com o peso absurdo sobre seu teto. Ali, naquele imenso corredor, deserto de vida já há muito, uma última luz está prestes a se apagar, levando os últimos vestígios de uma cultura. O último cérebro da Cidade tinha consciência de que após sua partida, as poucas coisas que ainda funcionavam cessariam, deixando os últimos habitantes à míngua total. Mas o cérebro sabia que não haveria solução, sabia que, finalmente era chegada à hora e que seus últimos habitantes iriam perecer.
Em um de seus últimos pensamentos, teve o desejo de acessar pela ultima vez a lembrança da expressão de espanto e admiração dos rostos de seus primeiros habitantes. Em um esforço, gastando o pouco de energia que lhe sobrava, tentou obter a imagem que desejava nos bancos de dados. Nada, as memórias devem ter sido atingidas mais seriamente. Sabia que era questão de tempo ate também ser desligado. Fez mais um esforço em sua busca, dessa vez, o último. Em quanto acessava os bancos de memória pensou que estava sendo um pouco egoísta ao gastar sua pouca energia em beneficio próprio, que implicaria em deixar à míngua seus habitantes. Sabia o que era ser egoísta, mas não o sentia. Conseguiu, seu esforço valeu a pena, pôde finalmente vislumbrar os rostos espantados de seus primeiros habitantes ao olhar pela primeira vez a magnitude e imensidão da última Cidade. Foi acometido mais uma vez pelo pensamento egoísta e decidiu desativar a memória a fim de garantir um pouco mais de aquecimento para seus últimos habitantes. As pequenas e poucas luzes que brilhavam palidamente no imenso painel apagaram-se devagar, e o cérebro sentiu que o fim havia chegado. Pensou em tristeza, sabia seu significado, mas não a sentia.
O frio penetrou com força dentro do parco abrigo improvisado nas entranhas em ruínas de uma pequena torre nos arredores do centro da Cidade fazendo tremer até mesmo os mais fortes dos habitantes, mas logo em seguida, o calor voltou a jorrar pelos dutos. Os estrondos eram cada vez mais fortes e assustadores. O medo os cercava como um caçador à espreita da presa. Um caçador que não poupa ninguém, nem mesmo os mais jovens e indefesos.
Um dos jovens se levanta e balbucia algo para outros três que também se levantam. Os quatro vão ate a pequena abertura na parede para observar, curiosos, a origem dos estrondos. A visão os apavora. Nenhuma das enormes torres está à vista, somente as menores ao seu redor ainda desafiavam a tempestade. Um estrondo muito próximo faz com que os outros gritem em desespero. Um dos habitantes, não muito jovem, em total privação de sentidos corre em gritos para a abertura lateral usada como entrada da pequena torre e sai para a ventania destruidora.
Os olhos de um dos jovens que estava a janela se enchem de lágrimas e de temor ao perceber de onde viera o estrondo. As torres laterais, próximas de onde estavam, estão cedendo e caindo sobre seu peso.
O jovem olha os amigos com lágrimas escorrendo por sua face coberta de pêlos e é só o que tem tempo de fazer.
Três das torres de pequeno porte que cercavam as ruínas que serviam de abrigo despencam destruindo por completo o abrigo. Os últimos habitantes da Cidade foram soterrados por toneladas de metal velho e retorcido.
Em meio à tempestade, o último sobrevivente de uma espécie a habitar aquele desolado planeta que um dia fora chamado de azul, vislumbra através da areia que cobre quase tudo o que sobrou da última das cidades um único ponto reluzente de luz, e para lá se encaminha.
Ele tenta vencer a tempestade, tenta desesperadamente ganhar mais esta batalha contra a natureza. Seus ancestrais venceram tantas outras milhões e milhões de anos atrás para que ele estivesse ali para terminar a história. Ele tenta vencer o vento que o empurra na direção oposta ao caminho que deseja seguir. Tenta vencer a areia que lhe enterra os pés, as pernas, que entra pela boca, que lhe cega.
A natureza o vence, finalmente a espécie perde a batalha. A areia do deserto cobre seu corpo agora frio e quase sem vida.
Não há mais sinal da muralha, ou das gigantescas torres. A areia do deserto tomou de volta o que lhe fora usurpado.
Uma mão calejada desaparece soterrada em meio à areia fina e avermelhada do deserto que a tempestade trouxe. E, próximo ao que seria o centro do que um dia foi a Cidade, somente uma estrutura se atrevia a erguer-se em meio fúria da natureza entrópica.
No alto do monte formado pela areia do deserto, reluzindo ao seu ultimo poer de sol, já quebrada, velha, gasta e esquecida no tempo e na história, brilhava palidamente uma cruz. Ela brilhou até sucumbir à areia. Brilhou sob a luz tépida de um agonizante sol vermelho.